sábado, 22 de março de 2008

a paixão, segundo Michaelis

"Páscoa alta, chumbo na malta", costuma-se dizer.
Este ano a Páscoa foi "baixa" - a conjugação de um equinócio à sexta-feira e uma lua-cheia ao sábado, permitiu a Páscoa no dia 23 de Março, algo que só se vai repetir daqui a 200 anos.

O que provavelmente se vai repetir já numa semana mais próxima, é uma nova agressão de um discente a um docente. O estatuto do primeiro é, cada vez mais, superior ao do segundo. Seja por causa de um telemóvel, seja porque o "s´tor" tem cara-de-cu, qualquer motivo será q.b.

Páscoa baixa, e era de meter aquela menina do Telelé na caixa. Se já ultrapassou a escolaridade obrigatória, rua com ela. Vá trabalhar que tem corpinho para isso e o país está em recessão. E tão obscena é a cena da criaturinha, como o é a alegria dos basbaques, que até chegam a desejar "que a velha caia". Baril, meu! Curte essa! Bué da gozo!

E os papás dessa formosa e airosa moça? Onde andam? Não terão de ser responsabilizados, de alguma forma? A criancinha, apesar de avantajada, não é menor?

E o Governo? Já destacou um "psicólogo de apoio" à docente, como quando cai um automóvel de dois turistas por uma ribanceira?

Este país, às vezes, mete nojo. O aluno que filmou tudo devia ser "chicoteado" (entre aspas), porque não era jornalista, de onde o dever de intervir e não de dizer "afasta, afasta". Mas, ao mesmo tempo, se não fosse ele e o U-tube, ninguém sabia de nada, a "s´tora" mantinha-se calada e a menina do telelé não vinha dizer que "realmente fez mal". Coitadinha, fez mal. Segundo uma douta cabeça, na SIC, o problema é que os alunos viam na professora uma pessoa fragilizada. É, meu, porrada nos fragilizados. É isso! É a essência da democracia, da civilização e do Estado de Direito.

Depois admiram-se que haja cem mil na rua. Cem mil e um, para a próxima!

6 comentários:

Anónimo disse...

Fui professora do Carolina Michaelis durante 28 anos.
Era uma escola modelo, como o Pedro Nunes, o Maria Amália e outros. Daquelas donde saem os futuros – neste caso as futuras – médicos, arquitectos e engenheiros, donas de casa e mães de família comme il faut.

Há muito que a história é outra e ninguém, se não os próprios, sabem exactamente o que se passa nas aulas, nos corredores, nos pátios, na cantina ou nas casas de banho, lugares propícios para agressões verbais e físicas. Grafittis são mais que as mães, por todo o lado, trabalhos dos alunos nem vê-los, pois correm o risco de levar com uma rasgadela ou comentário jocoso em cima.

Será que tem de ser assim? Há quem diga que não há hipótese de dialogar com energúmenos de 70-80 kg, já de 16-17 anos e ainda a frequentar o básico obrigatório, jovens que se recusam a trabalhar e não fazem puto, que acham a escola uma fucking invention de mentalidades cotas e senis. A TVI ajuda ainda à festa com os seus programas juvenis de morangos apodrecidos.

Vi de tudo nesta escola. Tive alunos que não mais esquecerei. Tive estagiários que impunham uma autoridade aos 22 anos que não via nos meus colegas de 50. Também vi alunos a cuspir num bolo feito pela professora estagiária, vi um aluno a rir-se alarvemente ao ouvir o She’s leaving home dos Beatles e outra a chorar comovida com a letra da canção.

Ouvi um aluno a dizer que não comprava os livros porque não lhe apetecia, e outros a comentarem numa aula de substituição que “só mandavam para lá as profs mais chatas”. Eu!

Tive alunos difíceis. Mesmo muito. Daqueles que desafiam até aos extremos a ver se o professor cede ou se lhe dá um fanico. Dei aulas ao sábado à tarde antes do 25 de Abril. Tive turmas de 35 alunos, rapazes de 15 anos, que sabia poderiam dar cabo de mim em três tempos. Dei, durante anos, 5 aulas non-stop, que terminavam às 18.30, levando três filhos de seguida para casa e tentando não falhar como mãe e dona de casa.

Se olhar para trás, vejo que consegui quase sempre exercer a minha autoridade dentro da sala de aula, tinha feitio para isso, sabia o que estava a fazer, era competente q.b. e sabia que a escola me apoiaria em caso de necessidade.

Agora já não é nada assim.
Já há alguns anos que a indisciplina tomou conta das turmas mais fracas do Carolina Michaelis – as dos repetentes, as dos “xungas”, filhos dos “bairros” do Aleixo, de Francos, de S. João de Deus, que agora vêm de metro e chegam de todo o lado. A escola , em risco de desaparecer do mapa, aceita tudo e agradece. Tem medo de perder alunos, tem medo de manter a sua fama de escola elitista, tem medo de dar más notas, tem medo que os alunos fujam para outras escolas, tem medo de tudo.

Temo que aquela atitude indecorosa para não dizer aviltante duma aluna exposta no Youtube e na TV vá agora ser imitada por todos os inúteis copycats, que por lá abundam. Amanhã é por causa do boné, depois são as cartas, os sms, os papelinhos, os Ipods, os segredinhos, as conversas cruzadas, os risinhos, etc. Aulas, jamais!!

miguel disse...

O comentário da Virgínia é um testemunho. Comento-o apenas porque sou professor, com pouco menos dos anos de serviço por ela prestados e porque nele me revejo, tanto no contexto ( mude-se, apenas, o nome e o local das escolas ) como na leitura que a autora faz daquilo que vai vivenciando. Ou seja, comento para avalizar o testemunho da Virgínia...porque, enfim , há testemunhos que quase juramos serem falsos. Não é este, seguramente, o caso.

Não estou, no entanto,tão pessimista como tantos colegas meus. Porquê?
Bom...continue-se o debate e talvez surja a oportunidade de ir justificando o meu não pessimismo ( não confundir com optimismo).

Mário disse...

É difícil dizer, com rigor epidemiológico, se as agressões e actos similares são mais ou menos frequentes, porque - à semelhança dos outros maus tratos - a denúncia e a universalização do conhecimento (repetitivo e insistente) dos actos é incomparavelmente superior.

Uma coisa é certa: era hábito os professores srem autoritários, castigarem de formas humilhantes os alunos e a sua actividade - à semelhança da dos padres e da dos médicos - ser inquestionável.

Realmente, uma novidade que há é a inversão desta relação, com "a revolta dos oprimidos" - só que os que se revoltam, sois disant, naõ são oprimidos, são eles próprios opressores. Opressores porque usam um sistema e as suas fragilidades, usam o erário público, usam o espaço físico e temporal que pertence também aos outros, e agridem psicologica e fisicamente quem é inocente relativamente à origem de um seu hipotético mal-estar.

Não sei se há mais ou menos casos - mas cada um é demasiado. E inaceitável. E, como escrevi, quase mais do que a atitude da aluna, foi a cumplicidade cobarde ou a passividade poltrona de muitos dos outros.

virgínia disse...

Não quero que, devido ao que escrevi acima, me interpretem como uma professora pessimista ou que desistiu às tantas, de acreditar na missão que assumiu aos 24 anos.
Nunca desisti nem de acreditar nos alunos na sua maioria "inocentes até prova em contrário", nem de lutar por aquilo que considero ser essencial num professor hoje em dia, ter criatividade, imaginação, desejo de mudança e amor.
Não acredito que se possam dar aulas sem amor, por muito piegas que isto possa parecer.
Há momentos terríveis em que não apetece entrar na sala de aula, mas também há momentos belos, memoráveis mesmo, que tornam esta profissão aliciante e recompensadora...quanto mais não seja moralmente.

miguel disse...

Continuemos: os cursos alternativos como CEF's ( Cursos de Educação e Formação ) Cursos Profissionais e de Educação e Formação de Adultos são condição de sobrevivência de muitas escolas ( centro ou periferia das grandes cidades) , logo, são também condição de garantia de emprego para muitos professores. Por este motivo , e como diz ,e com plena verdade, a Virgínia, a matriz socio-cultural sa população escolar de muitas escolas mudou como do dia para a noite.O que antes eram escolas de elite passaram a ser depósitos de jovens cuja cultura de escola se aproxima do zero.O que já era dificil para muitos ( ensinar) passou a ser dificílimo.

virgínia disse...

Penso que a maioria das pessoas que andaram em liceus tradicionais - quase todos os maiores de 45 anos - que mandam bitaites ou criticam a actuação dos professores actuais nos jornais, nos cafés e até nas associações de pais, ignoram por completo a situação da escola básica e secundária em Portugal, preocupando-se apenas com os seus filhos ou com as políticas de educação quando lhes toca fundo ou ainda porque gostam de mandar bitaites sobre tudo e sobre nada.

Até dentro da minha família sinto que a experiência dos "liceus" toldou por completo a clarividência dos "críticos" da Escola actual, aquela que temos na realidade. Desconhecem-na pura e simplesmente.

Cada vez mais os pais das famílias de posses médias fazem malabarismos para meter os seus filhos em escolas privadas - de preferência internacionais (aqui no Porto é comum) - porque vêem a pública como um túnel escuro, onde os seus meninos podem cair à linha e serem trucidados.

Não se encontram muitos alunos médios nas escolas hoje em dia, mas alunos excelentes ou muito maus, o que torna o ensino inexequivel ou muito difícil.

Ou se exigem e promovem as capacidades, o conhecimento e os interesses culturais mais elevados para satisfazer os alunos bons e atingir os objectivos dos programas...ou se dá atenção aos outros, que nada sabem, que não querem aprender ou não entendem a escola, promovendo assistência social ( mais do que a pedagogia especificada) e procurando aguentá-los na escola.

É este o grande desafio que nós profs temos pela frente. Fazer compreender às ilustres cabecinhas que pensam na educação com parâmetros de há 40 anos atrás que nada é como dantes, que há que fazer distinções, definir prioridades, dividir as "águas" e tentar construir alguma coisa.

Só para acabar: as pessoas esquecem-se que ainda há muita pobreza e miséria neste país - no norte sobretudo - e os problemas sociais vão-se avolumando com o desemprego, a falta de meios, o ambiente familiar disruptivo, os media manipulativos, a desgraça colectiva que abunda nos bairros sociais. É desta mole humana que provêm a maior parte dos alunos, jovens carenciados de valores e de modelos equilibrados, oriundos de famílias que o não são, self-made youngsters, experimentados em tudo o que não se deve experimentar na infância e adolescência.

O que fazer?

Na Alemanha, discriminam-se os alunos a partir da primária. Há três tipos de escolas diferentes todas públicas. Será isto elitismo ou pragmatismo?