quinta-feira, 10 de junho de 2010

a Camões, no seu Dia

Camões era estudado no Liceu, no meu tempo de escola, mas não era estudado. No meu caso, havia um velho professor de português que recitava os Lusíadas de cor, e as aulas dedicadas ao poeta eram um desfilar de versos, ditos pelo "s´tor" de olhos fechados, sem qualquer interacção com os alunos, que dormiam, faziam desenhos ou conversavam em voz baixa. Poucos absorviam Camões.

Havia também um interesse neste estudo "camoniano": ler o Canto IX, cheio de ninfas e amores, com linguagem proibida (na altura) e sugestões carregadas de erotismo. Havia professores de Português - sei de mais de um caso - que selavam o Canto IX e assinavam na fita cola, para perceber se os alunos tinham tido acesso à "zona proibida" de Camões.

Felizmente pude reler os Lusíadas, em "melhores condições" de maturidade, e ainda há dias o voltei a fazer, a pretexto dos livros que o Público tem feito sair às quintas-feiras. É uma obra admirável!

Outra faceta de Camões menos falada, ou pelo menos conhecida apenas muito pontualmente, são os sonetos. Felizmente, alguns cantores portugueses musicaram um ou outro ("Verdes são os campos", por Zeca Afonso ou "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", por José Mário Branco. Os sonetos são lindos, românticos, melódicos, e aqui fica um, menos conhecido ("O tempo acaba o ano, o mês e a hora"), juntamente com a versão inconfudivelmente bela de Zeca Afonso do "Endechas a Bárbara escrava".

O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;

O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidão, qualquer dureza;
Mas não pode acabar minha tristeza,
Enquanto não quiserdes vós, Senhora.

O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.

Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.




Luís de Camões

2 comentários:

miguel disse...

ZECA AFONSO: compositor e poeta de GÉNIO...não acham?

p.s.- génios não nascem todos os dias - assumo a palavra génio.

Virginia disse...

Podes ler no meu blogue a evocação de Camões na minha memória. É o oposto da tua, fruto de termos tido tu, um mau prof, eu uma excepcional, que nos tratava por vós, aqui à moda do Norte, muito competente e que, graças a Deus, continuou sendo minha prof no 6 e 7 anos, daí a minha brilhante nota em Literatura Portuguesa no 7º ano: 18! A melhor nota do liceu inteiro.
Nunca me orgulhei tanto dum resultado como desse, pois não era das suas mais brilhantes alunas- ou ela não o reconhecia. Mas quando soube os resultados das suas alunas , mandou recado: Parabéns à Cordeiro! Era assim que os profs nos tratavam, mesmo depois de três anos de convívio diário em LP e Latim, 9 vezes por semana!!!
Os Lusíadas ficaram para sempre na minha memória e gostava de reler algumas partes. Os sonetos são lindissimos, e não só: "Sobolos rios", por exemplo uma elegia fantástica do poeta, foram "bebidos" por nós com paixão.
Eu adorava Literatura, dissecar uma obra poética ou em prosa era uma aventura para mim....mais do que aprender Línguas, que acabou por ser o meu futuro:)))

Não gosto muito dos sonetos cantados, prefiro lê-los ou recitá-los para mim, mas o Zeca Afonso é uma excepção pois a sua voz já tem algo de nostálgico e mágico.

Bom dia de CAMÔES, onde quer que estejas...