Depois da sentença proferida no Tribunal de 1ª Instância, na sexta-feira, sobre "o caso Casa Pia", tem-se visto de tudo. E fica-se ainda mais perplexo com as acusações que partem dos arguidos e respectivos advogados, sobre pessoas e sobre a Justiça em geral e os juízes em particular. Confesso que o espectáculo de jornais, semanários e advogados a usarem de um tom despropositado para fazerem valer os seus pontos de vista lança-me ainda mais dúvidas sobre a "presumível inocência", que contudo aceito só deixará de a ser no dia da transitação em julgado.
Há, no entanto, algo de surrealista que não posso deixar de sublinhar: a desacreditação das vítimas. Haverá seguramente depoimentos com algumas contradições, entre eles, como as que a defesa de Carlos Cruz tenta explorar (depois de se queixar que o processo foi sobre o apresentador, beneficia de SIC em directo escassos minutos depois da condenação, entrevistas exclusivas a jornais e semanários, etc, etc - imaginam Marc Dutroux, na Bélgica, a ter estas benesses?). Mas, tal como para o caso do violador de Telheiras, querer que as vítimas (para mais com idades à roda de 8 anos, quando dos factos e passados muitos anos sobre eles porque não lhes foi dada hipótese de queixa antes) se lembrem dos pormenores estéticos e do mobiliário das casas quando foram violadas, maltratadas, amedrontadas e abusadas é, no mínimo, exibir desfaçatez, ignorância e falta de pudor.
Uma especialista americana, trazida por pessoas ligadas aos arguidos, esteve há cerca de 5 anos em Portugal, desacreditando as vítimas. A ilustre psicóloga referiu casos em que crianças que foram à Disneylândia diziam ter encontrado lá o Mickey, o Donald e o Urso Pooh (ou outro semelhante), quando este não fazia parte da Disney. Assim, concluía ela, as crianças não eram de fiar quanto a depoimentos. A especialista "só" se esqueceu de uma coisa: é natural, ao relembrar personagens nesse contexto, agradável e não ameaçador nem traumático, haver confusão. Pelo contrário, se uma dessas personagens tivesse, por hipótese, dado uma bofetada violenta aos miúdos, eles nunca se esqueceriam de qual tinha sido e, com toda a certeza, não falariam do Urso Pooh. As vítimas, como no caso de Telheiras ou outros, lembram-se de quem as violou; quanto ao resto, ou seja, os factos irrelevantes, a memória tenta obliterar, confundir e alterar, como defesa natural. Será que as vítimas de Telheiras se lembram se o elevador estava parado no rés-do-chão ou se as paredes eram brancas ou amarelas? Mas da cara do violador, isso lembram-se.
Por muito xirivari que alguns advogados façam, tentando desacreditar as vítimas, o que é certo é que estas foram violadas e não se vê o interesse que teriam em, todas elas, andarem a conspirar contra este ou aquele. Pelo contrário, aos arguidos, se forem culpados terá bastante mais interesse dizer que não cometeram crimes e que todas as vítimas estão enganadas. Enquanto uma vítima se queixa, raramente um criminoso deste tipo de crime assume a culpa.
Veremos as cenas dos próximos capítulos, mas o que conta, neste momento, é que um Tribunal legítimo, composto por juízes acerca dos quais não parece haver dúvidas quanto à honestidade, probidade e justeza de julgamento, considerou haver provas suficientemente sólidas para ultrapassar a "reasonable doubt" e condenou às penas conhecidas. Essa é a verdade dos factos no dia de hoje. Tudo o resto é confabulação, esperteza saloia ou desrespeito por quem merece todo e mais que fosse: as vítimas (e quem, corajosamente, com ameaças de morte pelo caminho, soube continuar ao lado dos ofendidos).