segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Casa Pia

Depois da sentença proferida no Tribunal de 1ª Instância, na sexta-feira, sobre "o caso Casa Pia", tem-se visto de tudo. E fica-se ainda mais perplexo com as acusações que partem dos arguidos e respectivos advogados, sobre pessoas e sobre a Justiça em geral e os juízes em particular. Confesso que o espectáculo de jornais, semanários e advogados a usarem de um tom despropositado para fazerem valer os seus pontos de vista lança-me ainda mais dúvidas sobre a "presumível inocência", que contudo aceito só deixará de a ser no dia da transitação em julgado.

Há, no entanto, algo de surrealista que não posso deixar de sublinhar: a desacreditação das vítimas. Haverá seguramente depoimentos com algumas contradições, entre eles, como as que a defesa de Carlos Cruz tenta explorar (depois de se queixar que o processo foi sobre o apresentador, beneficia de SIC em directo escassos minutos depois da condenação, entrevistas exclusivas a jornais e semanários, etc, etc - imaginam Marc Dutroux, na Bélgica, a ter estas benesses?). Mas, tal como para o caso do violador de Telheiras, querer que as vítimas (para mais com idades à roda de 8 anos, quando dos factos e passados muitos anos sobre eles porque não lhes foi dada hipótese de queixa antes) se lembrem dos pormenores estéticos e do mobiliário das casas quando foram violadas, maltratadas, amedrontadas e abusadas é, no mínimo, exibir desfaçatez, ignorância e falta de pudor.

Uma especialista americana, trazida por pessoas ligadas aos arguidos, esteve há cerca de 5 anos em Portugal, desacreditando as vítimas. A ilustre psicóloga referiu casos em que crianças que foram à Disneylândia diziam ter encontrado lá o Mickey, o Donald e o Urso Pooh (ou outro semelhante), quando este não fazia parte da Disney. Assim, concluía ela, as crianças não eram de fiar quanto a depoimentos. A especialista "só" se esqueceu de uma coisa: é natural, ao relembrar personagens nesse contexto, agradável e não ameaçador nem traumático, haver confusão. Pelo contrário, se uma dessas personagens tivesse, por hipótese, dado uma bofetada violenta aos miúdos, eles nunca se esqueceriam de qual tinha sido e, com toda a certeza, não falariam do Urso Pooh. As vítimas, como no caso de Telheiras ou outros, lembram-se de quem as violou; quanto ao resto, ou seja, os factos irrelevantes, a memória tenta obliterar, confundir e alterar, como defesa natural. Será que as vítimas de Telheiras se lembram se o elevador estava parado no rés-do-chão ou se as paredes eram brancas ou amarelas? Mas da cara do violador, isso lembram-se.

Por muito xirivari que alguns advogados façam, tentando desacreditar as vítimas, o que é certo é que estas foram violadas e não se vê o interesse que teriam em, todas elas, andarem a conspirar contra este ou aquele. Pelo contrário, aos arguidos, se forem culpados terá bastante mais interesse dizer que não cometeram crimes e que todas as vítimas estão enganadas. Enquanto uma vítima se queixa, raramente um criminoso deste tipo de crime assume a culpa.

Veremos as cenas dos próximos capítulos, mas o que conta, neste momento, é que um Tribunal legítimo, composto por juízes acerca dos quais não parece haver dúvidas quanto à honestidade, probidade e justeza de julgamento, considerou haver provas suficientemente sólidas para ultrapassar a "reasonable doubt" e condenou às penas conhecidas. Essa é a verdade dos factos no dia de hoje. Tudo o resto é confabulação, esperteza saloia ou desrespeito por quem merece todo e mais que fosse: as vítimas (e quem, corajosamente, com ameaças de morte pelo caminho, soube continuar ao lado dos ofendidos).

10 comentários:

Virginia disse...

Post muito inteligente e sensível. Tb penso assim.
Mas não é fácil manter a mesma postura depois de ler a defesa de CC no seu site, em que junta as suas respostas a perguntas , n entrevistas que deu, videos do tribunal, depoimentos de altas personalidades da nação, perfis das vítimas ( estas muito impressionantes na minha opinião), exemplos de contradições grosseiras, etc.
Levei todo o fim de semana a ler esta "chachada" toda e fico com dúvidas quanto a culpabilidade dele...dos outros não sei.
O facto de quererem arranjar culpados não terá levado o MP a aceitar de animo leve os depoimentos dos rapazes?

Só depois de ler todo o processo se fica elucidado...e que o vai ler?

Mário disse...

A verdade, só vítimas e abusadores a saberão. A procura da verdade por terceiros enfermará sempre de erros e falhas, se os primeiros, ao supostamente "dizerem a verdade" estiverem a mentir. Os factos é que provam, mas sem factos e sem provas, como acontece especialmente nestes casos e, sobretudo, a anos e anos de distância do ocorrido (os exames periciais não podem esperar...), ficarão testemunhos e pouco mais.
O resto serão especulações e convicções pessoais de quem está de fora, como é o nosso caso. Mas ficam perguntas como, por exemplo, se Hugo Marçal não conhecia Bibi, porque é que se ofereceu para ser seu advogado até ser, ele próprio, envolvido? Será normal oferecer-se para se ser advogado de alguém que não se conhece? Ou não poderia ser para o safar e evitar males maiores? Não sei...
Quanto à Justiça, continuo a acreditar que um juiz se pode enganar, mas tantos... e porquê? Todos malandros, corruptos, aldrabões e sem escrúpulos? É que, quando se diz que os juízes condenaram para acalmar a opinião pública, então teriam que ser cínicos e horríveis a ponto de enviar para a cadeia pessoas que saberiam ser inocentes. Não acredito.

Anónimo disse...

Também não acredito! E num Estado de Direito em que os Tribunais são um poder autónomo dos restantes, com a sua própria independência e competência, e tendo em conta a minha formação jurídica, tenho, à partida, que acreditar e confiar nesse 4.º poder, mesmo com erros jurídicos e processuais que possam existir. Partir logo do princípio que a sentença de condenação está errada, ou ter dúvidas sobre a mesma, porque um ou mais arguidos tentam manipular a opinião pública através da comunicação social e de vídeos na net, isso é um erro crasso. Isso é que é pôr causa o Esatdo de Direito e de separação de poderes em que assenta a nossa democracia. Sentem-se injustiçados, concerteza, mas defendam-se em sede de recurso, nos meios próprios como a lei lhes permite. Não aceito é a descredebilizações da justiça, nem das decisões dos tribunais, logo à partida sem saber as cenas jurídicas dos próximos capítulos.
Circos de vitimização na praça pública, com a conivência de alguns meios de comunicação social, como assisti nestes últimos dias, incluindo tempos de antena e espaços de 1.ª página, é que é uma verdadeira vergonha!!!
E não vi esse mesmo tempo de antena ser dado às vítimas!!!

Virginia disse...

A nossa justiça é cheia de garantias pro reus e isso transmite-me uma certa convicção de que neste caso , não se arriscariam a pôr na prisão pessoas tão conhecidas. Essa do Hugo Marçal tb é duvidosa. Assim como o Ritto que já tinha sido apanhado na Alemanha a abusar duma menor. Os outros não sei, o médico tinha tudo para o fazer, mas admira-me que os miudos nada dissessem ao psicólogo O Abrantes tb estava no sitio ideal e pactuou com coisas horriveis.
O CC é que me admira, mas já se descobriram fenómenos incríveis sobre as pes soas, que passam despercebidas durante anos. As entrevistas dele deixam uma sensação esquisita, pois custa a acreditar que uma pessoa possa mentir durante tanto tempo e tão bem.
Estou curiosa de ver o que acontece depois de sair o acordão.

Não acredito que os juizes todos tenham maquinado isto tudo. Há-os muito sérios e devem ter trabalhado 12 horas por dia. Não lhes queria estar na pele.

Mário disse...

A propósito de juízes, fiquei com uma admiração muito grande pela Juíza Ana Peres. Não lhe queria o lugar nem a missão, mas admiro-a por a ter "sofrido" com decência, classe, sentido do dever e - é minha opinião - imparcialidade nas várias fases do julgamento.
Aliás, rematou com chave de ouro quasndo pôs em sentido o advogado histriónico de CC.

Anónimo disse...

Como advogado, fiquei chocado com as cenas que alguns dos meus colegas disseram. Alguns, porque outros houve que mantiveram a calma e até pediram desculpa pelo comportamento dos seus clientes. O facto de haver muita emoção não explica, por exemplo, o tom e o conteúdo de algumas intervenções, pesporrentes e revanchistas. Estou à espera de ver o que a Ordem tem para comentar.
João Pedro

Paulo M disse...

Pode-se culpar a justiça portuguesa por ter demorado tantos anos a julgar este caso, deve-se julgar o Estado por ter criado condições que permitiram o que aconteceu na Casa Pia e, quem sabe, noutros lugares oficiais ditos seguros paras crianças.
Uma coisa é certa, por mais que se grite, ainda ninguém logrou demonstrar que Ana Peres e o resto do colectivo dos juizes não decidiram de acordo com o Direito e com isenção e imparcialidade. Esta guerra jornalistica assusta, pois dá a entender que se pressionm os Tribunais Superiores e isso é grave ainda antes de decidirem.
O mais importante é que houve vitimas e para elas e por elas, sejam da Casa Pia ou de outra qualquer casa, temos de garantir que a história não se repete.
Não vi nem vou ver o site do Carlos Cruz, mas uma coisa é certa, nesse site só está o que ele seleccionou. A convição dos juízes não foi objecto de selecção por nenhum arguido no processo, felizmente.

Mário disse...

Depois de ver ontem o Prós e Contras, designadamente as intervenções de Carlos Cruz, Marinho Pinto e Daniel Oliveira, fiquei convencido: houve um enorme embuste judiciário e quem cometeu os crimes terão sido outros senhores, eventualmente: Charles Cross, Ferrari Diniz, George Ritual, Bye-Bye, Hugh Marshall, Manuel Abrdepois... sendo Gertrudes apenas o nome do sistema de Gestão de Tráfego Urbano de Lisboa.

É um pouco como as obras de Shakespeare, que não foram escritas por Shakespeare mas por um homem que viveu na mesma data e, curiosamente, no mesmo local, e que se chamava, curiosamente, também Shakespeare...

Virginia disse...

Boa, Mário.

Se o assunto não fosse tão sério, era mesmo de desatar à gargalhada.

O bastonário Sealife Chicken é um ser abjecto na comunicação social, não sei como é que pode representar a classe dos advogados.

O Charles Cross tb estava bastante menos brilhante.

O Juiz respondeu com muita classe as invectivas de tanta gente.

Anónimo disse...

Há coisas realmente estranhas. Agora Carlos Cruz vai revelar mais de duzentas pessoas que estariam em situação igual à dele. Duzentas? Um ex-presidente da república? Líderes partidários? Mas há tanta gente assim a abusar de menores?
Por outro lado, li que Marçal vai protestar não sei o quê. mas como se explica que ele, dizendo que não conhece o Silvino, se tenha oferecido para ser seu advogado, sendo precisamente de Elvas. Elvas? mas o que é que ligava Marçal a Silvino, se não se conheciam e não era Elvas? Ele explicou isso? Eu não vi...

Rute