quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

se te queres matar, porque não te queres matar - Fernando Pessoa

No dia 11 de Fevereiro de 1963, Sylvia Plath, com 30 anos de idade, veda completamente o quarto das crianças com toalhas molhadas e roupas, deixando leite e pão perto das camas, tendo ainda o cuidado de abrir as janelas, embora lá fora nevasse abudantemente.

A seguir, tomou uma grande quantidade de sedativos, e colocou a cabeça no interior do forno, com o gás ligado.

Na manhã seguinte foi detectado um intenso cheiro a gás, a porta arrombada e a escritora encontrada, morta. O quarto das crianças estava gelado. O quarto e elas. Mas vivas.

CHILD

Your clear eye is the one absolutely beautiful thing.
I want to fill it with color and ducks,
The zoo of the new
Whose name you meditate
April snowdrop, Indian pipe,
Little
Stalk without wrinkle,
Pool in which images
Should be grand and classical
Not this troublous
Wringing of hands, this dark
Ceiling without a star.



CRIANÇA

Teus olhos claros são a coisa mais bonita que tens.
Quem me dera enchê-los de patos e de cores,
O zoo do Novo
Em cujo nome meditas
Campânulas-de-abril, Fumaças-de-fada,
Pequenino
Caule sem espinhos,
Lago no qual as imagens
Pudessem ser imensas e clássicas
Não esse problemático
Torcer de mãos, esse escuro
Tecto sem estrelas.

(tradução: MC)

Sylvia Plath, poetisa e ensaísta, escreveu muitos poemas, diários e reflexões sobre a vida, designadamente sobre o amor, a depressão e o aborto, vivências pelas quais passou. Repartiu a sua vida entre os EUA e Inglaterra.

Foi em Cambridge que conheceu o poeta Ted Hughes, com quem viveu até ao ano anterior à sua morte. Tiveram dois filhos, Frieda e Nicholas. Regressa a Londres no ano em que morre, escrevendo aí o seu único romance: "A Redoma de Vidro".

Pintura: Auto-retrato de Sylvia Plath

19 comentários:

Virginia disse...

Não compreendo bem essa frase do Pessoa - não faltará um "é" ( porque...)?

Sylvia Plath , uma figura muit frágil da literatura americana, fez-se um filme com a Guyneth Paltrow, que me impressionou precisamente pela vulnerabilidade e infelicidade que expressava. Morrer e deixar os filhos sozinhos ao frio parece-me muito psicótico e só a ideia horroriza-me. Mas por vezes, fazem-se coisas por razões que o Amor desconhece. Uma vida com drama a mais e poesia a menos.

Mário disse...

A frase é mesmo assim.
Impressionou-me a história de Sylvia Plath, embora os poemas sejam algo mórbidos. Foi o Aidan Macfarlane que mos recomendou, juntamente com os de Ted Hughes, há sei lá quantos anos - não sabia, na altura que tinham sido marido e mulher.

Ela não queria acabar com ela, queria acabar com a situação dela, caso contrário, não teria protegido os filhos. Barrar a porta e abrir a janela foi para o gás não lhes fazer mal, e deixar leite e bolachas foi para os alimentar até que alguém chegasse.

São muito raros os casos em que a pessoa se quer matar - os que surgem nos telejornais, em que uma mãe ou pai matam primeiro os filhos, destroem as obras, vão matar as memórias de infância nas escolas onde andaram e depois suicidam-se.
Quem se mata só a si, como a esmagadora maioria, quer apenas matar a vida que tem e não a sua vida - ou seja, acho que ama tanto a vida que a deseja perfeita, e a realidade externa, com as suas contradições e deficiências, torna-se insuportável de viver.

"Se te queres matar, porque não te queres matar..." porque amo demais a vida para a viver assim, acrescento eu. Mas é apenas a minha teoria sobre o suicídio...

Anónimo disse...

A vida desta mulher, que morreu no ano em que nasci, também me impressionou.

sw disse...

Olá dr. Mário,
Tendo a concordar com a sua teoria e também fiquei muito impressionada com a história da poetisa e escritora SP. No entanto, só consigo pensar naquelas crianças, um casal, que tinham na altura, creio, 1 e 3 anos. Como terão crescido? Tiveram avós? E o pai, terá regressado a Londres? Terão sido acarinhadas? O que terão pensado sobre a mãe? Sentiram saudades? Lembram-se dela? O que lhes disseram, alguma coisa? E hoje, o que farão, já adultos? Terão eles filhos?

Mário disse...

Segundo consegui apurar, depois do suicídio de Sylvia Plath, Hugues e os filhos foram viver com a amante dele, Assia Wevill.
Dois anos depois, tiveram uma outra filha.
Mas como se não bastasse, Assia suicidou-se a 25 de Março de 1969 exactamente como Sylvia Plath: pôs um colchão na cozinha, selou as portas e janelas, tomou uma dose elevada de sedativos, deu também à filha, e abriu o gás.
Foram encontradas mortas, a filha nos braços da mãe, como que a embalando.

Anónimo disse...

Peço imensa desculpa mas acho tão mórbido e tão triste esta história e ainda por cima nesta altura em que vivemos que tudo é tão complicado, que as noticias que correm são tão tristes, onde as pessoas que andam na rua baixam as cabeças e onde não se vê um sorriso. Devem existir histórias de felicidade, de mães que fizeram tudo "vivas" para os filhos se tornarem homens e seres felizes, essas sim umas mães heroinas, devem existir histórias que acabam bem..
Peço desculpa pelo meu desabafo mas costumo vir a este blog pelo:

"Azul bonito e saboroso...
O amor. Só a ideia.

Um espaço azul a não perder...
Ir ver o mar - seja com que tempo for. O mar..."

Dêem me mais histórias e poemas onde me posso perder mas com alegria e confiança da existência de um futuro melhor


Obrigada

Joana

Mário disse...

Joana
Tem razão no que respeita a esta história ser de uma dor e de uma tragédia imensas. Ao investigar o destino dos filhos de Sylvia Plath, fiquei siderado quando vi o que tinha acontecido, designadamente à madrasta e à irmã.
A história é triste, mas ajuda a entender os poemas de Sylvia Plath e de Ted Hughes, considerados dos maiores escritores anglossaxónicos.

E permite questionar o que pesa a Vida, dentro de cada um de nós, e a dar porventura maior apreço às coisas pequenas que lhe dão sal, e que ajudam a lidar com o facto de, nem nós, nem a Vida, sermos perfeitos.

Como escreveu Pessoa, as histórias de amor nunca são ridículas mas têm de ser ridículas, o que nso transporta à nossa dimensão, reduzida, mas talvez por isso reconfortante.

Prometo que o próximo tema vai ser feliz, mas desculpar-me-á por continuar a tentar investigar esta família e esta tragédia...

Mário disse...

Para que fique algo de positivo, que mostra a resiliência das pessoas, a filha de Sylvia Plath, Frieda Rebecca Hughes, nascida em Abril de 1960, foi para a Austrália e tornou-se poeta e pintora.

Já publicou sete livros para crianças, quatro de poesia, e pinta sobretudo paisagens. Vive em Londres e expõe regularmente.

Anónimo disse...

Muitas vezes pergunto-me se o amor pelos filhos é um "amor perfeito" (?). Talvez seja ...! Pelo menos é incondicional (penso eu). E a Sylvia, mesmo no seu "desiquilibrio", pensou na sobrevivência dos filhos.

Mas, e aproveitando o comentário da Joana, também há mães que tudo fazem pelos filhos.

Eu, enquanto a vida da minha J permitiu, fiz tudo por ela. Sei que fiz e, melhor ainda, sei que ela o aproveitou.
Mas nem todas as histórias são alegres e felizes, no seu final.

Aí, nesse momento, entra a capacidade de resiliência de cada um.
A minha vai crescendo....conforme pode!

Estes cantinhos de partilha, são uma preciosa ajuda. Obrigada...

Ana

Elisete disse...

Joana,
De facto é uma história triste. E eu nem imagino como é que se pode não ter vontade de viver quando se tem dois filhos tão pequenos. Quando acho que a vida é uma porcaria, basta-me abraçar o Miguel e dar-lhe os grandes beijos no pescoço, ouvir as consequentes gargalhadas e, pronto, fica tudo colorido. Mas, ouve lá, não achas igualmente triste as Mães que, em vida, abandonam os filhos? E eu nem sequer estou a falar de situações de separação e divórcio. Estou a falar do abandono a que os filhos são votados em prol do tão costumeiro: “Trabalhamos tanto para o bem deles” ou “Quanto melhor nós estivermos, melhor eles estão” e por aí adiante. Como exemplo, lembras-te de uma nossa colega que me disse que tinha o privilégio de só estar com o filho ao fim-de-semana? Como é que achas que esta criança se sente? E, como muito bem sabes, este não é um caso isolado.
Acho que o Dr. Mário Cordeiro tem razão. Falarmos sobre estas situações, faz-nos dar mais valor ao que temos, faz-nos questionar sobre o que queremos e não queremos para nós e para os nossos filhos e sobre o que é de facto importante.

Anónimo disse...

Depois de ler este último comentário penso, ainda com mais "fervor", que o mundo não é justo.

Há realmente mães que abandonam os filhos...e que os abandonam sem qualquer pudor! E eu conheço algumas crianças dessas...infelizmente.

Mas há imensas mães que lutam, sem limite, pela vida dos filhos....e eu também conheço várias (incluindo-me a mim).

A minha pergunta é: será preciso tanto sofrimento e tão diferenciado (sim porque uns lutam e os outros abandonam) para haver equilibrío ?
Sinceramente, acho que não!

Só que a vida não é assim tão "linear"...e, portanto, aproveite-se o que ela nos dá de bom!

Ana

Anónimo disse...

E Hugues? Como terá ele enfrentado estes dois baques? Ainda por cima, o segundo levou-lhe também uma filha para além da segunda mulher...
O que será preciso para cometer uma acção como a de Sylvia? Falta de auto-estima? Uma vida miserável? Uma constante e insuportável irascibilidade? A perfeita noção de que não se tem o que se merece e ninguém nos reconhece por aquilo que somos? Uma mistura destes ingredientes e mais alguns e a consequente conclusão de que não vale a pena continuar viva? Ou, a continuar viva, levar a vida sem a viver? Tão jovem, tão triste, tão desesperada... Nem o amor pelos filhos a salvou. Terá feito tudo aquilo em consciência, atrevo-me a dizer: tratou de salvaguardar os filhos para poder morrer em paz.
A teoria do Dr. Mário é interessante: ela amava tanto a vida que, no mundo cão em que ela (a vida) rodopiava, não podia vivê-la como desejaria - pôs-lhe um ponto final.
Ou então era um inferno na terra, a sua vida...

Mário disse...

Ted Hughes voltou a casar e morreu em 1969, de um enfarte do miocárdio, quando estava a ser tratado de um cancro do colon, e depois de ter recebido a Ordem de Mérito, das mãos da Rainha Isabel.

Uma coisa é certa no meio de todas estas interrogações: caasr com Ted Hughes representava um elevado factor de risco...

Mário disse...

Faltava dizer o que sucedeu a Nicholas Farrar Hughes; saíu do olhar público e leva uma vida tranquila, estando actualmente a trabalhar no Alaska como biólogo marítimo.

Que não tenha o azar de encontrar a Sarah Palin!

Virginia disse...

Só para encerrar, Sylvia como Virginia Woolf sofriam de psicoses que na altura eram tratadas com electrochoques em hospitais psiquiátricos indescritíveis. A depressão que hoje é tão comum, assim como a esquizofrenia que já se controla por meio da medicação levam a estados extremos de perda de racionalidade e anseio pela liberdade duma vida que sufoca. Virginia Woolf não aguentava estar fechada numa casa no campo a ouvir vozes...Sylvia provavelmente tb as ouvia e morria de frio no seu apartamento exíguo, sem dinheiro e duas crianças. Foi isso que as levou ao suicídio. Nada mais.

Mário disse...

Inteiramente de acordo, Virgínia.
Aliás, Sylvia foi sujeita a electrochoques.
Actualmente, o que antigamente se chamava "loucura", é cada vez mais sabido ser uma desadaptação das expectativas da pessoa em relação à vida, e a própria vida, o que se pode tornar insuportável. Um verdadeiro "sufoco" do qual apenas a morte parece a saída.
As vozes que ouvimos somos nós próprios, como nos sonhos, só que estes são em fases determinadas do sono, e uma tentativa do inconsciente de nos relembrar algo, embora de forma quase exótica (onírica). Em outras situações, o inconsciente aparece durante a vigília, e os sonhos provocam uma clivagem.
O amor - designadamente de uma mãe - pode ser a cura. O apoio, de uma família ou de amigos, pode ser o élan que falta. Um projecto de vida pode ser o estímulo necessário. E, como diz, os medicamentos têm evoluído extraordinariamente - bem como alguns psiquiatras - e hão-de evoluir mais ainda!

Virginia disse...

Não queria prolongar muito o tema - que me é particularmente sensível, como sabes, Mario - mas gostava de acrescentar que a chamada loucura destas pessoas não é senão a falta de dopamina no cérebro, um processo químico que faz com que se confunda a realidade com o subconsciente e a vida fique toda virada do avesso...ou seja, o inverso do que nos parece ser assisado.
Estas pessoas precisam de uma atenção enorme - com espaços de liberdade - não aceitam a pressão das convenções, por vezes não conseguem submeter-se a horários ou leis, são inteligentes e acreditam que estão certas e os outros errados. Até conseguirem aceitar a sua condição de doentes - com necessidade de medicação certa ( como uma pessoa que precisa de óculos se não não vè nada), podem correr riscos terríveis e pôr outras pessoas em risco.O equilíbrio é sempre difícil e pode modificar.se dum momento para o outro.
A ciência tem evoluido muito, os psiquiatras tb e já se olha para estas doenças dum modo mais humano, graças a Deus.

Dois livros extraordinários sobre este assunto são : How to survive schyzophrenia (Amazon) e "The Day the voices stopped" ( este muito impressionante porque narrado pelo próprio)

Mário disse...

Creio que um dos maiores avanços desta sociedade - da qual dizemos mal, mas que expressa uma enorme evolução humana - é a explicação porque somos todos diferentes, os avanços da ciência que permitem explicar situações como a asma, a diabetes, a dislexia, a esuqizofrenia ou a epilepsia, entre outras tantas, como desadaptações ambientais ou carêcias de neurotransmissores (com a possibilidade de intervenção medicamentosa) e também a aceitação da diferença e dos nossos comportamentos.
Ainda há muitas resistências e incompreensões, mas sou optimista e quero pensar que, com o tempo, a atitude será, não de "tolerância", mas de "normalidade", assumindo que todos temos competências e incompetências.
Ponham a Maria João Pires a correr a maratona ou a Rosa Mota a tocar piano e vejam o que acontece...

Anónimo disse...

Exactamente!
O grande avanço da humanidade (eu sei que o da tecnologia "voa"...)está na capacidade de compreender as diferenças.
E o maior passo, e talvez o mais importante, está em cada um de nós tentar compreender-se a si próprio, em primeiro lugar.
Nessa altura conseguimos aceitar as diferenças dos outros (e as nossas) numa abrangência muito maior!

Eis um percurso fascinante...mas também "doloroso". Crescer nem sempre é fácil.

Ana