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Foi pediatra - um grande professor e um grande clínico -, mas além disso, um humanista, combatente político, livre pensador. E um homem culto e bom. Humilde e sério, Rigoroso e exemplar.
Conheci-o melhor quando me convidou para trabalhar na Comissão de Saúde da Criança e do Adolescente, em 1992. Redigi com ele, horas e horas a fio, ao longo de noites sem dormir, o coloquialmente chamado "Relatório Torrado", que definiu os princípios conceptuais e estratégicos da saúde dos grupos etários pediátricos. Algumas conclusões foram implementadas, outras nem tanto, e ainda outras jazem na gaveta do ministro ou dos presidentes das administrações de saúde.
Mas o que quero relembrar do Professor Torrado, para além dos almoços nos cafés ou na Pizza-Hut da Álvares Cabral, onde funcionava a Comissão, são as conversas sobre a vida, sobre o sofrimento, a morte, a música (era um melómano e um grande conhecedor),a poesia, a política, a saúde e a doença, deus ou a sua inexistência, e tantas e tantas outras coisas.
Um dia tive o privilégio de ouvir uma conferência que fez sobre a representação da criança na arte e na pintura mundial - ele próprio era (muito bom) pintor, nos fins de semana (afinal tão escassos) da casa rural que tinha recuperado perto de Mafra.
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Que nunca hesitou em partilhar o que sabia e o que sentia. Sem verdades absolutas, mas com um enorme rigor e sinceridade.
"O século XX é o século da criança" - afirmava. Antevia dificuldades mas também muitos sucessos para as crianças do século XXI. Morreu antes de o ver, prematuramente.
Marcou-me. Muito. Mas ainda mais a saúde das crianças portuguesas. Bem haja, meu Querido Amigo!
3 comentários:
gratidão, memória, saudade, legado...bonito texto (experimentem ouvir com uma música de que gostem, que vos traga à memória alguém que já se foi).
E, outra coisa, Mário: vamos imaginar como seria se as codornizes ( e todos os pássaros) festejassem aniversários. Onde seria a festa? no mar? No arvoredo? algures a meio de uma rota migratória? Num cais? Por cima das nuvens onde se vê o céu azul?
E como se dá os parabéns aos progenitor de uma codorniz? Piando? esvoaçando? ou dizendo , simplesmente, parabéns?
Se fôr, dizendo, então PARABÉNS!
Miguel
Obrigado pelo teu sensível comentário.
Quanto às codornizes, creio que cada uma terá a sua forma de "aniversariar" e, portanto, teremos que descobrir a melhr maneira de as "parabenizar"...
Ao progenitor, bastará dizer: "considero-te um homem muito rico e afortunado por teres como criação uma codorniz deste calibre".
Abraços
Não referi no texto que o Professor Torrado, por razões políticas, esteve exilado na Suiça, em Genève, durante muitos anos. Com Octávio Cunha, António Barreto, Medeiros Ferreira e outros.
A sua categoria era tal que um dia, em 1996, quando da primeira eleição de Jorge Sampaio (que tinha sido casado com a actual mulher do Nuno Torrado), alguma imprensa resolveu entrevistá-lo para ver se conseguia uma história "menos edificante" sobre Sampaio, designadamente quando a candidatura de Cavaco lançou a "questão religiosa católica" como tema importante da campanha.
As respostas de Torrado foram impecáveis e mostraram o que é a dignidade e a lealdade, e imediatamente aceitou fazer parte da Comissão de Honra de Jorge Sampaio.
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