terça-feira, 8 de janeiro de 2008

há pessoas que nos marcam - 2

Nesta rubrica, sem obedecer a qualquer ordem de prioridade ou valor, gostava de relembrar o Professor Nuno Torrado da Silva, que faleceu há dez anos.

Foi pediatra - um grande professor e um grande clínico -, mas além disso, um humanista, combatente político, livre pensador. E um homem culto e bom. Humilde e sério, Rigoroso e exemplar.

Conheci-o melhor quando me convidou para trabalhar na Comissão de Saúde da Criança e do Adolescente, em 1992. Redigi com ele, horas e horas a fio, ao longo de noites sem dormir, o coloquialmente chamado "Relatório Torrado", que definiu os princípios conceptuais e estratégicos da saúde dos grupos etários pediátricos. Algumas conclusões foram implementadas, outras nem tanto, e ainda outras jazem na gaveta do ministro ou dos presidentes das administrações de saúde.

Mas o que quero relembrar do Professor Torrado, para além dos almoços nos cafés ou na Pizza-Hut da Álvares Cabral, onde funcionava a Comissão, são as conversas sobre a vida, sobre o sofrimento, a morte, a música (era um melómano e um grande conhecedor),a poesia, a política, a saúde e a doença, deus ou a sua inexistência, e tantas e tantas outras coisas.

Um dia tive o privilégio de ouvir uma conferência que fez sobre a representação da criança na arte e na pintura mundial - ele próprio era (muito bom) pintor, nos fins de semana (afinal tão escassos) da casa rural que tinha recuperado perto de Mafra.

Foi um pai, para mim. Um mestre.

Que nunca hesitou em partilhar o que sabia e o que sentia. Sem verdades absolutas, mas com um enorme rigor e sinceridade.

"O século XX é o século da criança" - afirmava. Antevia dificuldades mas também muitos sucessos para as crianças do século XXI. Morreu antes de o ver, prematuramente.

Marcou-me. Muito. Mas ainda mais a saúde das crianças portuguesas. Bem haja, meu Querido Amigo!

3 comentários:

miguel disse...

gratidão, memória, saudade, legado...bonito texto (experimentem ouvir com uma música de que gostem, que vos traga à memória alguém que já se foi).

E, outra coisa, Mário: vamos imaginar como seria se as codornizes ( e todos os pássaros) festejassem aniversários. Onde seria a festa? no mar? No arvoredo? algures a meio de uma rota migratória? Num cais? Por cima das nuvens onde se vê o céu azul?

E como se dá os parabéns aos progenitor de uma codorniz? Piando? esvoaçando? ou dizendo , simplesmente, parabéns?

Se fôr, dizendo, então PARABÉNS!

Mário disse...

Miguel
Obrigado pelo teu sensível comentário.
Quanto às codornizes, creio que cada uma terá a sua forma de "aniversariar" e, portanto, teremos que descobrir a melhr maneira de as "parabenizar"...
Ao progenitor, bastará dizer: "considero-te um homem muito rico e afortunado por teres como criação uma codorniz deste calibre".
Abraços

Mário disse...

Não referi no texto que o Professor Torrado, por razões políticas, esteve exilado na Suiça, em Genève, durante muitos anos. Com Octávio Cunha, António Barreto, Medeiros Ferreira e outros.
A sua categoria era tal que um dia, em 1996, quando da primeira eleição de Jorge Sampaio (que tinha sido casado com a actual mulher do Nuno Torrado), alguma imprensa resolveu entrevistá-lo para ver se conseguia uma história "menos edificante" sobre Sampaio, designadamente quando a candidatura de Cavaco lançou a "questão religiosa católica" como tema importante da campanha.
As respostas de Torrado foram impecáveis e mostraram o que é a dignidade e a lealdade, e imediatamente aceitou fazer parte da Comissão de Honra de Jorge Sampaio.