segunda-feira, 12 de outubro de 2009

o "Crocodilo"

Jean René Lacoste morreu a 12 de Outubro de 1996, aos 92 anos. Famoso jogador de tênis francês, empresário e inovador, era apelidado de "O Crocodilo", tendo este nome sido eternizado pela figura emblemática da roupa de marca que criou em 1929, ano em que se viria a reformad do ténis, por ter contraído tuberculose.

A este respeito, não hesito em contar uma história, que alguns leitores já conhecerão e que talvez custe a compreender aos leitores com menos de 40 anos, porque (como tudo) esta marca “democratizou-se” e, verdadeiras ou compradas na feira, estão ao alcance de quase toda a gente. Mas façam um exercício de imaginação e tentem situar-se nos anos sessenta.

Foi uma experiência pessoal (aí com onze ou doze anos), quando andava no liceu Pedro Nunes. Um grupo de alunos do liceu resolveu formar um clube que se chamava: “Clube dos Meninos Que Usam Camisa Lacoste”. Esclareça-se que estas camisas eram uma das primeiras “de marca”, e o seu preço proibitivo. Daí a escolha deste ícone para critério de selecção.

À noite fui ter com o meu Pai e pedi-lhe que me comprasse uma camisa Lacoste, mas obviamente nunca mencionei as verdadeiras razões. O meu Pai, com formação jesuítica e justa, tentou averiguar do meu interesse súbito por tal objecto. Esforcei-me quanto pude: “são óptimas”, “são giras”, “toda a gente tem”. Não foram razões suficientemente boas. Parco de argumentos, descaí-me e contei a verdade. O Clube!. A resposta dele foi taxativa: “Posso-lhe comprar a camisa, mas não é de forma alguma por causa de um clube assim. Dê-me uma qualquer razão lógica e penso no assunto. Se não, pode esquecer a camisa. E quanto ao clube, sugiro que forme, já amanhã, o Clube dos Meninos Cujos Pais Não Vâo Comprar Uma Camisa Lacoste”.

Engoli e no dia seguinte, para meu vexame, passei a pertencer a uma escassa minoria. Mas vi, com o breve passar do tempo, que as razões frívolas e elitistas da criação deste Clube eram tão ridículas como patetas. E a sua duração efémera.

Agradeço profundamente ao meu Pai não me ter comprado a camisa. Porque o que me ensinou foi a convicção com que defendeu as suas ideias e valores, não os hipotecando (e ensinando-me a não capitular) perante modas, dítames pessoais ou lógicas acéfalas de grupo. Obrigado, Pai!

8 comentários:

Virginia disse...

Conheci bem o tipo de alunos que descreves e o liceu onde andaste. Eram os chamados "bétinhos" de hoje, ainda mais porque eram "elite da elite" que ia para o liceu.
Não fiquei com saudades nenhumas desse meio escolar e raspei-me logo para o meu cantinho, onde me dei maravilhosamente, mesmo num meio só feminino.
Quanto à atitude do Pai, era a atitude da maioria das famílias cristãs com muitos filhos, com dinheiro, mas sem esbanjamentos ou protecção especial. Muitas vezes "chorei" por não ter um compasso Kern , que me ajudasse a fazer melhor os desenhos geométricos ou uns carand'ache para pintar melhor e acho que merecia tê-los tido, não para pertencer a clubes, mas porque eram efectivamente melhores do que o material barato que me compravam para usar na escola. Também tive problemas com sapatilhas e fatos de ginástica que tinha de ir buscar depois das minhas manas usarem pois os pais não compravam umas para cada uma de nós. E nunca tive bicicleta , nem aprendi a andar porque o Pai nunca nos comprou nenhuma. Isso não lhe perdoo.:)

Ter crocodilos ou não era-me indiferente na altura....comprei muitas para o meu marido que só gostava de roupa de marca, pouca e boa. E comprei-as com agrado porque sabia que ele ficava feliz.

Mário disse...

Mais importante do que ter uns Carn d´Ache é ter talento, técnica, tempo e trabalho. Quaisquer lápis servem para estudantes de liceu.

Como disse na altura o nosso Pai, desde que eu tivesse uma razão lógica e fundamentada, então ele comprava a camisa. Só que eu não tinha, porque "pertencer ao Clube" não era uma razão. Para ele e, agora (nem nessa altura, acho), para mim. E propôs uma alternativa, fundando o outro clube... ou seja, mopstrou que nucan se fica "descalço" perante a vida, desde que se tenha ousadia e resiliência... e ideias próprias.

Virginia disse...

Não é verdade....o material é muito importante e o incentivo, que nunca tive na infância ainda mais. Mas isso são águas passadas. Nunca pertenci a clubes a não ser á JECF com a tua amiga Lenicha.
Chegou.

Teresa disse...

Como professora de maninos pequenos ,tenho que reiterar o que a Virginia disse : o material é muito importante para desenvolver as aptidões !!! Lápis que em vez de pintar riscam e por vezes rasgam o papel não incentivam ninguém, sobretudo os menos dotados que ao fim de grande esforço só veem uma porcaria no papel. Aconselhei sempre os pais a comprar bons lápis e canetas ( mesmo em menor quantidade) e a ensinar os filhos a cuidar do material. A frase "não faz mal porque o meu Pai compra outro..." nunca pegou comigo. Mas eu era uma Professora à moda antiga e para alguns pais demasiadamente exigente. Mas, pelo menos com as minhas filhas e penso que com muitos alunos, resultou! Bjos

Mário disse...

Teresa
Concordo que o material é importante, mas vejo que, por vezes, algumas coisas compradas "no chinês" ou em qualquer "hiper" podem servir, como régua, esquadro, transferidor, borracha, cadernos, pastas, "micas", etc.
Tendo agora que comprar em triplicado (?!), vejo que a diferença de preços é substancial e que há por vezes muito desperdício, embora concorde também que o "barato possa saír caro", ou pelo menos pouco eficiente.
Os professores poderão ajudar as famílias a controlar as despesas.
Quanto ao passado, que a Virgínia refere, creio que, mais do que "forretice" e o facto de sermos muitos filhos, o que estava em causa era uma visão "ascética e espartana" do mundo, própria de um momento histórico, e de um percurso de vida do pai feito à custa de muito trabalho e sem benesses.
Quanto à camisa Lacoste, continuo a achar que ele procedeu bem. E tanto que o episódio me marcou é que, passadas quatro décadas, ainda o tenho presente como um pilar importante na minha vida.

Teresa disse...

Também acho que o facto de termos vivido, em certos aspectos, de modo um pouco espartano nos deu uma bagagem diferente para enfrentar a vida. Aprendemos a gozar mais e melhor tudo o que de bom fomos tendo, pois , pelo menos para mim os primeiros anos de casada e viúva não foram sempre" pêra doce". No entanto, cada conquista ( um móvel novo, a Tv a cores, etc.) era apreciada com uma alegria diferente da que os nossos filhos e netos agora têm. O darmos tudo acaba por tirar o prazer de sonhar com algo dificil de atingir. E esse sonho, essa busca e essa conquista é que , na minha opinião, dão razão de ser à vida !

Mário disse...

Teresa: 100% de acordo com a minha Madrinha.
O sal das coisas vem, quanto a mim, de serem pequenas e conquistadas.
Quando penso que tive de ser carpinteiro, pintor e jardineiro, acho que foi enriquecedor. Agora sei como fazer uma estante, como pendurar quadros, como construir uma série de coisas. É um factor protector extraordinário, porque - como lhe aconteceu - quando de repente nos vemos sós, o sabermo-nos autónomos e auto-suficientes é uma panaceia.

Com o Hermínio aprendi "n" coisas, desde bricolage a fazer puzzles - mas mais do que o modus faciendi, foi o exercício de paciência, rigor e procura da perfeição. Que saudades!

Virginia disse...

Uma coisa fantástica que os nossos pais tinham é que nos deixavam experimentar tudo- às vezes com riscos razoáveis - nunca nos protegeram demais, embora fossem pais à moda antiga e moralistas. Lembro-me de que vinha para casa às 6 no tempo do liceu, embora as aulas acabassem ás 3 e eles não questionavam o que eu andava a fazer. Tinham confiança em nós e nós não traíamos essa confiança. O não comprar tudo é ainda visível em muitos casais novos com pouco dinheiro. O meu filho casado tem passado por muitas dificuldades - apesar do seu sucesso profissional - e muitas vezes coibe-se de comprar coisas, optando por não ter TV em casa, por exemplo, ou por guardar os brinquedos dos filhos até nova data, não os darem por atacado nos anos e Natais, fazerem eles as prendas todas - mesmo os pais - que dão no Natal, etc. E o meu filho lembra-me muito o tio Mário quando constroi as estantes ikea, dá biberons ao filho e está em videoconferencia com asiáticos e americanos ao mesmo tempo!! :)))

Acho que é de família.