Cai a tarde Do dia que correu. Arde Em nós O fogo da paixão. Nasce o projecto Sem objecto Sem razão. Solta-se a voz Quase defunta, E no breu Surge a pergunta:
Quem sou eu?
Fotografia: MC - Baleal 2005
22 comentários:
Anónimo
disse...
Essa emocionou-me bastante. Isto porque a pergunta final tem-me inquietado imenso nos últimos dias (ainda mais nas últimas horas). Horas e horas a pensar nisso. Mesmo antes de cá chegar, perguntei isso. É frustrante. Não leva a nada. Não obtenho resposta alguma. Curiosamente, a sua parece-me mais fácil. Os problemas dos outros parecem ninharias quando os comparamos com os nossos. De qualquer forma, ajudará alguma coisa se procurar a resposta neste blog, no seu consultório e na cara redonda da recente "contratação" na sua família. Em relação a mim, torna-se cada vez mais complicado ver o tempo a fugir sem o saber. Tanto tempo sem satisfazer essa curiosidade pode trazer uma certa sombra gelada aos tempos mortos. Pode até matar os tempos que deveriam estar vivos. Encontrarmo-nos pode ser um dos sentidos para a vida, não sei, mas tudo se tornaria mais fácil se nos atribuíssem um B.I. com mais informação e nos dissessem o que fazemos nesta "realidade". Isso arruinaria a chamada "liberdade de escolha", mas não pode ela ser, por vezes, complexa demais?
Acredito que sou alguem com determinação suficiente para me definir, identificar e querer trilhar um caminho meu, ainda que condicionado pelos muitos elos que ainda me ligam - e ainda bem - a outros.
Não é tão importante saber quem sou como saber o que sou e o que quero ser neste ocaso da vida. Ontem vi um filme maravilhoso, conquanto violento sobre relações entre mães e filhas - Sonata de Outono - como uma pessoa pode viver uma vida inteira a espezinhar outras para se engrandecer. Nem o sacrifício estúpido que inibe os pais de viverem a sua pp vida, nem o contrário, ter filhos e ignorá-los em nome da carreira, da fama ou do que quer que seja....
Linda foto essa do Baleal....gostava de pintar essa praia, se tivesse fotos inspiradoras.....
João Pedro: saber quem somos exige um trabalho de Sherlock Holmes, misturado de alquimia e de observação, lenta e paciente, como faziam os antigos sábios. O "fenómeno" que somos é demasiado complexo para ser entenndível "à vol d´oiseau".
No entanto, percebermos quem somos (analisando por exemplo os nossos sonhos, que são afinal o produto dos realizadores-produtores que somos, além das atitudes e de termos um sentido crítico relativamente aos nossos comportamentos), é apenas meia tarefa - falta depois construir. e a construção é que exige arte, criatividade e vontade. É essa aproximação da realidade externa à estruturação interna e aos sonhos, desejos e fantasias que torna a vida engraçada e estimulante.
Apenas um conselho: não perder tempo com pessoas e situações que não nos dizem nada, e não ter vergonha ou inibição de dizer "não!". Seja com a família, com os amigos, colegas ou outros. Se achamos que não, dizemos não. Se ficarem chateados, paciência!
Virgínia: absolutamente de acordo. Também já vi esse filme do Bergman, e outros em que as relações são pautadas por uma pessoa dominante e outra dominada - são os resquícios da omnipotência infantil que eprduram na vida de algumas pessoas, com laivos narcísicos e exigências de performances que diminuem os outros, porque passam quase sempre por verberações (que as enaltecem, a elas) e raramente por elogios (que nos faz sentir "pobre dos outros").
O problema é que esta ponte de que fala, da primeira metade para a segunda, não acontece. Pura e simplesmente não existe. Coloco a questão: "Definirá isso quem sou? Terei eu esse poder de fazer arte, de ser criativo e dono de uma vontade que chegue para superar obstáculos?"
A sensação é que só sei como é a primeira metade de mim. Sei também pela segunda que é difícil demais, para mim, realizar a primeira.
"O fosso entre o que somos e aquilo que gostaríamos de ser. Os dois tornam-se num só e, em vez desse fosso único ser superado pela acção ou pela experiência vivida, é preenchido por sonhos fascinantes." John Berger
O "sonho" da citação acima não me satisfaz. Passar o dia a sonhar não me leva a lado nenhum, porque a vida exige um choque sem airbags com a realidade.
Caro JP O sonho - como verdadeira expressão do verdadeiro desejo (passe o pleonasmo) -, e a fantasia - como a liberdade total do pensamento -, são partes importantes de nós, mas não devem obnubilar o confronto (com ou sem airbags, melhor com um bocadinho, pelo menos), entre nós próprios e a realidade externa.
A questão é se podemos modificar essa realidade, ou pelo menos diminuir o hiato entre ambos. Creio ser possível, com engenho e arte, mas com uma condição essencial, e citando Rimbaud: "par des delicatèsses j´ai perdu ma vie" - não fazer aquilo de que o poeta lamenta. Perder, leia-se gastar, a vida com futilidades, pessoas e situações desinteressantes.
Há quanto tempo não dás um abraço a um amigo, só por dar? Há quanto tempo não ligas a um amigo para dizer, apenas, que gostas dele? Essa é uma das pontas possíveis do fio de Ariadne...
Penso que será difícil a uma pessoa conhecer-se plenamente antes dos 60, a vida dá tantas voltas e até certa idade, não temos tempo para nos concentrarmos na psicanálise ou em questões puramente ligadas à realização espiritual ou pessoal, vivemos o dia-a-dia condicionados por escolhas que em tempos fizémos e cujas consequências arrastamos por vezes penosamente por razões éticas, de hábito, receios, falta de discernimento ou mesmo por ausencia de ambições outras.
Nem todas as pessoas têm angústias "existenciais", anseiam por algo mais pleno ou querem arriscar para obter respostas a perguntas recalcadas. Quantas pessoas se acomodam e deixam de sonhar, quantas vivem para o dia-dia de supermercado, de refeições, de ir levar e buscar meninos à escola, satisfazer os seus conjuges ou familiares para manter o equilíbrio aparente e o tal airbag....?
Só quem tem dinheiro ( é mais importante do que parece...) ou estofo, ou ambição, ou mesmo desespero, é capaz de arriscar e perder esse equilíbrio aparente, cortando com tudo dum momento para o outro. Não é fácil, é arriscado e nunca se pode prever o que está do outro lado.
Querida Mana: apenas discordo em dois pontos: - acho, cada vez mais, que se pode ser muito feliz com pouco dinheiro, cortando no supérfluo, no faz-de-conta e no desperdício, aprendendo a gostar das "coisas pequenas" e naturais; - começando cedo, podemos conhecermo-nos antes dos 60 - é por isso que penso que jovens como o João Pedro devem começar já esse percurso (aliás ele já o começou, que eu sei, e os comentários dele são prova disso!).
Além de rico , o diálogo que vai crescendo entre "mano e mana" ( são mesmo, não são, Mário?) é delicioso naquilo em que parece algo como um reencontro ou uma re-descoberta, mesmo que a relação entre os dois tenho sido sempre assim , tão frutuosa, tão cheia de comunicação( e eu sei lá se foi).
O " Espaço Azul...", esse, continua a ser um dos meus portos, onde lanço amarras, serenamente, a qualquer hora. A amizade também é um aportar sereno,muitas vezes.
Neste momento tb não sei muito bem quem sou, ou para onde vou! decidi acabar uma relação de 16 anos, porque cada vez mais me apercebo que vivo com uma pessoa que não conheço, e que cada vez me diz menos! Temos uma filha que fará 6 anos no próximo mês de Agosto, e que irá passar por uma situação que lhe vai ser penosa. Mas tudo o que quero da vida é ser feliz, para poder dar tb aos outros, e principalmente à Madalena essa felicidade, que agora busco!
Quando falei de dinheiro, referia-me as mulheres, que hoje em dia graças a Deus, têm mais independencia do que antes e podem lançar-se noutros desafios.
Conhecer-nos é sempre necessário seja em que idade for, mas consegui-lo totalmente é difícil antes de experimentar....
A experiência é a mãe de todas as coisas...e tb ponte para o conhecimento de nós próprios....
Mano: se não tivesses o mínimo de conforto material, não poderias escolher sequer entre coisas pequeninas ou grandes...:)
Miguel: sempre bem-vindo (esta semana vou publicar o teu "violoncelista", prometido que está há meses). E é verdade que, pese embora todos os riscos e perigos (e idiossincrasias) dos blogues, as potencialidades são enormes, como manter o contacto com... irmãos que moram longe, por exemplo. E ainda a missa vai a santos, neste domínio. Como sabes, temos debatido muito com o nosso comum amigo Manel Teixeira, a questão de entender e como usar este novo suporte de comunicação, que é a web. Sabes que a minha irmã é tua colega! (ou seja, sócia do "clube dos amigos da Ministra...").
Mana: claro que primum mangiare, dopo filosofare, mas um por-do-sol bonito, embora não cotado na bolsa, ainda é de borla, como o som de um rouxinol no meio da noite, ou os malmequeres que, teimosamente, rompem o asfalto e crescem. Vivemos em sociedades carentes de factores protectores - para mim´são neste momento prioridades, quer desenvolvê-los, quer ensiná-los aos meus filhos.
Não sei se consigo aguentar até aos 60 para me começar a conhecer (soa a demasiado tempo à deriva).
No meu caso, ultimamente, o dia-a-dia não atrapalha os meus devaneios filosóficos/existenciais. O que acontece é exactamente o oposto.
Quanto ao lado financeiro da vida, a minha opinião é a de que, realmente, não precisamos de muito. Existem outras riquezas. Encontramos aqui imensa, neste blog. E pelos vistos comprou mais raio, para aumentar esse tal "perímetro".
Joãopedro: peço desculpa se fui demasiado taxativa no que se refere ao auto-conhecimento, é claro que todos os dias podemos ficar a conhecer um pouco mais do que somos, sentimos, queremos e podemos....todos os dias deveríamos anotar em diário aquilo que descobrimos sobre as nossas idiossincrasias ( palavra cara), os nossos anseios e inquietudes, vitórias e derrotas.... Olhando para trás, talvez tivesse tido mais cuidado em não me deixar alienar, nem perder de vista quem era e o que queria, mas confesso que fui engulida pelos acontecimentos e depois de certa altura, não fazia ideia do meu papel, nem sequer tinha a certeza de que era capaz de viver sem eles ( marido, filhos), tal era a minha dependência deles e a deles de mim. Daí achar que há uma altura da vida em que é importante fazermos um balanço da situação e pensarmos em nós, no que somos e queremos - fazer um retiro connosco próprios - é o mínimo que podemos fazer.
A vida é cheia de surpresas e nunca chegamos a saber exactamente aquilo que somos...talvez saibamos um pouco aquilo que fomos e o que queremos ser, mas não exactamente o que somos no presente.
A vida aos 40 já nos deu e ensinou tanto, que a ponte para os sessenta apenas consolida aquilo que já nos habituámos a conhecer de nós próprios.Conheço e lido muito bem com o meu EU. A sensação que tenho às vezes é que existe uma certa dificuldade em conhecermos e entendermos as pessoas com quem nos vamos cruzando ao longo da vida, sejam eles familiares, amigos ou simplesmente conhecidos que nos marcam de alguma maneira, e isso acontece quer tenhamos 40,50,60 ou 70... Alguém que conheci em tempos afirmava convictamente que na vida não devemos criar expectativas em relação às pessoas: começo a concordar com ele sem que no meu caso, ao contrário do dele, haja algum pessimismo inerente a esta máxima. Estou por isso numa fase de "EXPECTATIVA ZERO" em relação aos outros, às pessoas ....!!! Assim, dificilmente podem surpreender-me pela negativa, porque à partida deles não espero NADA. TUDO o que vier... é por acréscimo.....
Mano: essas pequenas coisas como admirar um mar revolto, reparar nas árvores que florescem, o sorriso de um neto ao ver-nos no jardim do infantário, a música que nos chega do quarto dum filho, a paz dum lar em que não há discussões, o acordar sem sobressaltos são coisas essenciais para a felicidade e não custam dinheiro. Tenhamo-lo ou não, a sensibilidade para apreciar essas maravilhas do dia-a-dia exige paz de espírito, paragem do stress, abertura e gosto pela vida. Nem todas as pessoas são capazes disso. Quando digo que não tenho carro, perguntam-me sempre: Como é que sobrevive? Respondo: Sou muito mais livre.
Segui com intereresse o que aqui foi dito.Permite-me que deixe as palavras de C.Drummond de Andrade?
A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade. E a sua segunda metade voltava igulmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta.Derrubaram a porta. Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia sem fogos. Era dividida em metades diferentes uma da outra.
Chegou-se discutir qual a metade mais bela. E carecia optar.Cada um optou conforme seu capricho,sua ilusão,sua miopia.
cada vez que faço essa pergunta é sinal que continuo há procura... e quase nos quarenta anos de idade volto a repeti-la a saber que eu não sou este eu. Beijinhos e menos angustia.
Realmente, por mais que nos conheçamos ou façamos por nos conhecer, por mais que tentemos ser livres, não dependentes de nada nem de ninguém, para nos conhecermos ainda melhor, por mais que os anos passem e as lições da vida nos ajudem a encontrar-nos, o facto é que nunca sabemos totalmente quem somos e com o que podemos contar de nós próprios. Pois não somos nós mesmos, uma caixinha de surpresas, que até a nós nos surpreende? Não tentamos todos os dias ultrapassar-nos e surpeeender-nos e ir mais e mais além?Quantas vezes ao falar comigo penso, como foste ou não capaz? Como conseguiste? Sim. acho que sou mesmo uma surpresa para mim própria. E o que é mais engraçado é que, quanto mais Livre me sinto em relação a tudo e todos, incluindo dependências afectivas e materiais, ou seja quanto mais liberdade tenho para pensar em mim e conhecer-me, mais acho que não me conheço. Simplesmente porque essa liberdade, resultante de alguns aninhos desta vida e de conseguir dizer sim ao que quero e não ao que não quero, me tranformaram numa pessoa mais forte e, por isso, também, com mais capacidade para desafiar o mundo, e acreditem, para me desafiar a mim prória! Daí achar que cada vez me conheço mesmo, porque cada vez mais sou um novo desafio, até para mim própria.
Mas quero, cada vez mais, arriscar este desafio!! Vale a pena e é-se mais feliz!!! E cada ano que passa é uma nova descoberta, seja aos vinte, aos quarenta ou aos sessenta. Quero sim que seja até ao último dia da minha vida, seja ele lá quando fôr. Deixo uma passagem de Amin Maalouf em "Leão, o africano", que adorei e em que me revejo totalmente, mesmo ainda, nos meus quarenta e três anos de vida, tendo poucos cabelos brancos: "E foi preciso esperar pelos meus primeiros cabelos brancos, pelos meuis primeiros lamentos, para me convencer de que todos os homens, incluindo o meu pai, têm o direito de ir por um caminho errado se pensam estar a seguir a felicidade. Desde então, passei a amar os seus erros, tal como espero que tu amarás os meus, meu filho. Desejo-te que, por vezes, também tu te desvies. E desejo-te que ames, como ele, até à tirania, e que te mantenhas durante longo tempo disponível para as nobres tentações da vida".
Caríssimos Respondo em bloco, tal o impacto destes humildes versos. O poema do Drumond é lindo. Aliás, como quase toda a obra dele. Devo dizer que gosto muito de romances, mas a poesia encanta-me - creio ter perto de trezentos livros de poesia, incluindo várias Antologias. Mão amiga fez-me chegar, este há vários anos, os poemas de Safo - primeiro apenas em grego (!), depois já fifty-fifty - é o que estou a ler actualmente.
Quanto a estas "angústias" (que provavelmente não o serão na verdadeira definição da palavra, mas mais a percepção da nossa fragilidade física e psicológica), para mim é mais uma consciência de que o tempo é precioso, porque finito. É esta baliza que me marcou, desde há uns meses, e curiosamente eu, que tinha uma aposta com deus (ou o diabo), desde os dez anos de idade, em como morreria aos 54, já revoguei (unilateralmente, OK, mas revoguei) esse "contrato" e espero festejar copiosamente no dia 27 de Outubro de 2010.
Talvez por tudo, mais os filhos, agora os netos e os amigos, amo a vida e quero sorvê-la avida e gulosamente. Esta "ansiedade" talvez me leve a desconsiderar certos convites, o convívio com algumas pessoas e a evitar certos lugares - um pouco a arrogância de quem percebe, aos 52 anos, que pode e deve mandar na sua própria vida, sem estar permanentemente a sentir-se culpado ou a querer "consensos" e agradar a todos.
Concluindo este arrazoado um pouco caótico (talvez por ter ido ao Algarve de manhã e voltado agora - no combóio li "Le dieu du carnage", da Yasmina Réza: muito bom), seja aos 20, 40 ou 60, a vida é mesmo bela de se viver, bela para se fruir e bela para se amar. E a descoberta de nós próprios leva a mais projectos, sonhos e iniciativas - que potencia o amor que se tem à vida.
Catarina "Leão, o Africano", teve um tal impacto em mim, que foi a minha primeira escolha para a estante do Blogue. É bonito, cheio de significados e "lê-se como um filme". Bjs
22 comentários:
Essa emocionou-me bastante. Isto porque a pergunta final tem-me inquietado imenso nos últimos dias (ainda mais nas últimas horas). Horas e horas a pensar nisso. Mesmo antes de cá chegar, perguntei isso. É frustrante. Não leva a nada. Não obtenho resposta alguma. Curiosamente, a sua parece-me mais fácil. Os problemas dos outros parecem ninharias quando os comparamos com os nossos.
De qualquer forma, ajudará alguma coisa se procurar a resposta neste blog, no seu consultório e na cara redonda da recente "contratação" na sua família.
Em relação a mim, torna-se cada vez mais complicado ver o tempo a fugir sem o saber. Tanto tempo sem satisfazer essa curiosidade pode trazer uma certa sombra gelada aos tempos mortos. Pode até matar os tempos que deveriam estar vivos.
Encontrarmo-nos pode ser um dos sentidos para a vida, não sei, mas tudo se tornaria mais fácil se nos atribuíssem um B.I. com mais informação e nos dissessem o que fazemos nesta "realidade". Isso arruinaria a chamada "liberdade de escolha", mas não pode ela ser, por vezes, complexa demais?
Acredito que sou alguem com determinação suficiente para me definir, identificar e querer trilhar um caminho meu, ainda que condicionado pelos muitos elos que ainda me ligam - e ainda bem - a outros.
Não é tão importante saber quem sou como saber o que sou e o que quero ser neste ocaso da vida. Ontem vi um filme maravilhoso, conquanto violento sobre relações entre mães e filhas - Sonata de Outono - como uma pessoa pode viver uma vida inteira a espezinhar outras para se engrandecer. Nem o sacrifício estúpido que inibe os pais de viverem a sua pp vida, nem o contrário, ter filhos e ignorá-los em nome da carreira, da fama ou do que quer que seja....
Linda foto essa do Baleal....gostava de pintar essa praia, se tivesse fotos inspiradoras.....
João Pedro: saber quem somos exige um trabalho de Sherlock Holmes, misturado de alquimia e de observação, lenta e paciente, como faziam os antigos sábios. O "fenómeno" que somos é demasiado complexo para ser entenndível "à vol d´oiseau".
No entanto, percebermos quem somos (analisando por exemplo os nossos sonhos, que são afinal o produto dos realizadores-produtores que somos, além das atitudes e de termos um sentido crítico relativamente aos nossos comportamentos), é apenas meia tarefa - falta depois construir. e a construção é que exige arte, criatividade e vontade. É essa aproximação da realidade externa à estruturação interna e aos sonhos, desejos e fantasias que torna a vida engraçada e estimulante.
Apenas um conselho: não perder tempo com pessoas e situações que não nos dizem nada, e não ter vergonha ou inibição de dizer "não!". Seja com a família, com os amigos, colegas ou outros. Se achamos que não, dizemos não. Se ficarem chateados, paciência!
Virgínia: absolutamente de acordo. Também já vi esse filme do Bergman, e outros em que as relações são pautadas por uma pessoa dominante e outra dominada - são os resquícios da omnipotência infantil que eprduram na vida de algumas pessoas, com laivos narcísicos e exigências de performances que diminuem os outros, porque passam quase sempre por verberações (que as enaltecem, a elas) e raramente por elogios (que nos faz sentir "pobre dos outros").
O problema é que esta ponte de que fala, da primeira metade para a segunda, não acontece. Pura e simplesmente não existe. Coloco a questão: "Definirá isso quem sou? Terei eu esse poder de fazer arte, de ser criativo e dono de uma vontade que chegue para superar obstáculos?"
A sensação é que só sei como é a primeira metade de mim. Sei também pela segunda que é difícil demais, para mim, realizar a primeira.
"O fosso entre o que somos e aquilo que gostaríamos de ser. Os dois tornam-se num só e, em vez desse fosso único ser superado pela acção ou pela experiência vivida, é preenchido por sonhos fascinantes."
John Berger
O "sonho" da citação acima não me satisfaz. Passar o dia a sonhar não me leva a lado nenhum, porque a vida exige um choque sem airbags com a realidade.
Caro JP
O sonho - como verdadeira expressão do verdadeiro desejo (passe o pleonasmo) -, e a fantasia - como a liberdade total do pensamento -, são partes importantes de nós, mas não devem obnubilar o confronto (com ou sem airbags, melhor com um bocadinho, pelo menos), entre nós próprios e a realidade externa.
A questão é se podemos modificar essa realidade, ou pelo menos diminuir o hiato entre ambos. Creio ser possível, com engenho e arte, mas com uma condição essencial, e citando Rimbaud: "par des delicatèsses j´ai perdu ma vie" - não fazer aquilo de que o poeta lamenta. Perder, leia-se gastar, a vida com futilidades, pessoas e situações desinteressantes.
Há quanto tempo não dás um abraço a um amigo, só por dar? Há quanto tempo não ligas a um amigo para dizer, apenas, que gostas dele? Essa é uma das pontas possíveis do fio de Ariadne...
Penso que será difícil a uma pessoa conhecer-se plenamente antes dos 60, a vida dá tantas voltas e até certa idade, não temos tempo para nos concentrarmos na psicanálise ou em questões puramente ligadas à realização espiritual ou pessoal, vivemos o dia-a-dia condicionados por escolhas que em tempos fizémos e cujas consequências arrastamos por vezes penosamente por razões éticas, de hábito, receios, falta de discernimento ou mesmo por ausencia de ambições outras.
Nem todas as pessoas têm angústias "existenciais", anseiam por algo mais pleno ou querem arriscar para obter respostas a perguntas recalcadas.
Quantas pessoas se acomodam e deixam de sonhar, quantas vivem para o dia-dia de supermercado, de refeições, de ir levar e buscar meninos à escola, satisfazer os seus conjuges ou familiares para manter o equilíbrio aparente e o tal airbag....?
Só quem tem dinheiro ( é mais importante do que parece...) ou estofo, ou ambição, ou mesmo desespero, é capaz de arriscar e perder esse equilíbrio aparente, cortando com tudo dum momento para o outro. Não é fácil, é arriscado e nunca se pode prever o que está do outro lado.
Mas vale a pena....
Querida Mana: apenas discordo em dois pontos:
- acho, cada vez mais, que se pode ser muito feliz com pouco dinheiro, cortando no supérfluo, no faz-de-conta e no desperdício, aprendendo a gostar das "coisas pequenas" e naturais;
- começando cedo, podemos conhecermo-nos antes dos 60 - é por isso que penso que jovens como o João Pedro devem começar já esse percurso (aliás ele já o começou, que eu sei, e os comentários dele são prova disso!).
Além de rico , o diálogo que vai crescendo entre "mano e mana" ( são mesmo, não são, Mário?) é delicioso naquilo em que parece algo como um reencontro ou uma re-descoberta, mesmo que a relação entre os dois tenho sido sempre assim , tão frutuosa, tão cheia de comunicação( e eu sei lá se foi).
O " Espaço Azul...", esse, continua a ser um dos meus portos, onde lanço amarras, serenamente, a qualquer hora. A amizade também é um aportar sereno,muitas vezes.
Neste momento tb não sei muito bem quem sou, ou para onde vou! decidi acabar uma relação de 16 anos, porque cada vez mais me apercebo que vivo com uma pessoa que não conheço, e que cada vez me diz menos! Temos uma filha que fará 6 anos no próximo mês de Agosto, e que irá passar por uma situação que lhe vai ser penosa. Mas tudo o que quero da vida é ser feliz, para poder dar tb aos outros, e principalmente à Madalena essa felicidade, que agora busco!
Quando falei de dinheiro, referia-me as mulheres, que hoje em dia graças a Deus, têm mais independencia do que antes e podem lançar-se noutros desafios.
Conhecer-nos é sempre necessário seja em que idade for, mas consegui-lo totalmente é difícil antes de experimentar....
A experiência é a mãe de todas as coisas...e tb ponte para o conhecimento de nós próprios....
Mano: se não tivesses o mínimo de conforto material, não poderias escolher sequer entre coisas pequeninas ou grandes...:)
Miguel: a verdade é que estamos a conhecer-nos através do bloghue porque durante anos, vivemos cada um no perímetro a que estavamos confinados....
Miguel: sempre bem-vindo (esta semana vou publicar o teu "violoncelista", prometido que está há meses). E é verdade que, pese embora todos os riscos e perigos (e idiossincrasias) dos blogues, as potencialidades são enormes, como manter o contacto com... irmãos que moram longe, por exemplo. E ainda a missa vai a santos, neste domínio. Como sabes, temos debatido muito com o nosso comum amigo Manel Teixeira, a questão de entender e como usar este novo suporte de comunicação, que é a web. Sabes que a minha irmã é tua colega! (ou seja, sócia do "clube dos amigos da Ministra...").
Mana: claro que primum mangiare, dopo filosofare, mas um por-do-sol bonito, embora não cotado na bolsa, ainda é de borla, como o som de um rouxinol no meio da noite, ou os malmequeres que, teimosamente, rompem o asfalto e crescem. Vivemos em sociedades carentes de factores protectores - para mim´são neste momento prioridades, quer desenvolvê-los, quer ensiná-los aos meus filhos.
Obrigado pelos vossos comentários.
Não sei se consigo aguentar até aos 60 para me começar a conhecer (soa a demasiado tempo à deriva).
No meu caso, ultimamente, o dia-a-dia não atrapalha os meus devaneios filosóficos/existenciais. O que acontece é exactamente o oposto.
Quanto ao lado financeiro da vida, a minha opinião é a de que, realmente, não precisamos de muito. Existem outras riquezas. Encontramos aqui imensa, neste blog. E pelos vistos comprou mais raio, para aumentar esse tal "perímetro".
Joãopedro: peço desculpa se fui demasiado taxativa no que se refere ao auto-conhecimento, é claro que todos os dias podemos ficar a conhecer um pouco mais do que somos, sentimos, queremos e podemos....todos os dias deveríamos anotar em diário aquilo que descobrimos sobre as nossas idiossincrasias ( palavra cara), os nossos anseios e inquietudes, vitórias e derrotas....
Olhando para trás, talvez tivesse tido mais cuidado em não me deixar alienar, nem perder de vista quem era e o que queria, mas confesso que fui engulida pelos acontecimentos e depois de certa altura, não fazia ideia do meu papel, nem sequer tinha a certeza de que era capaz de viver sem eles ( marido, filhos), tal era a minha dependência deles e a deles de mim.
Daí achar que há uma altura da vida em que é importante fazermos um balanço da situação e pensarmos em nós, no que somos e queremos - fazer um retiro connosco próprios - é o mínimo que podemos fazer.
A vida é cheia de surpresas e nunca chegamos a saber exactamente aquilo que somos...talvez saibamos um pouco aquilo que fomos e o que queremos ser, mas não exactamente o que somos no presente.
A vida aos 40 já nos deu e ensinou tanto, que a ponte para os sessenta apenas consolida aquilo que já nos habituámos a conhecer de nós próprios.Conheço e lido muito bem com o meu EU. A sensação que tenho às vezes é que existe uma certa dificuldade em conhecermos e entendermos as pessoas com quem nos vamos cruzando ao longo da vida, sejam eles familiares, amigos ou simplesmente conhecidos que nos marcam de alguma maneira, e isso acontece quer tenhamos 40,50,60 ou 70...
Alguém que conheci em tempos afirmava convictamente que na vida não devemos criar expectativas em relação às pessoas: começo a concordar com ele sem que no meu caso, ao contrário do dele, haja algum pessimismo inerente a esta máxima. Estou por isso numa fase de "EXPECTATIVA ZERO" em relação aos outros, às pessoas ....!!! Assim, dificilmente podem surpreender-me pela negativa, porque à partida deles não espero NADA. TUDO o que vier... é por acréscimo.....
Mano: essas pequenas coisas como admirar um mar revolto, reparar nas árvores que florescem, o sorriso de um neto ao ver-nos no jardim do infantário, a música que nos chega do quarto dum filho, a paz dum lar em que não há discussões, o acordar sem sobressaltos são coisas essenciais para a felicidade e não custam dinheiro. Tenhamo-lo ou não, a sensibilidade para apreciar essas maravilhas do dia-a-dia exige paz de espírito, paragem do stress, abertura e gosto pela vida. Nem todas as pessoas são capazes disso.
Quando digo que não tenho carro, perguntam-me sempre: Como é que sobrevive? Respondo: Sou muito mais livre.
E é verdade.
Segui com intereresse o que aqui foi dito.Permite-me que deixe as palavras de C.Drummond de Andrade?
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E a sua segunda metade
voltava igulmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta.Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia sem fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se discutir qual a metade mais bela.
E carecia optar.Cada um optou conforme
seu capricho,sua ilusão,sua miopia.
Lindíssimo este poema...e tão verdadeiro.
A vida é como a LUA, só se ve uma parte dela, mesmo quando está Lua cheia, a outra face só se revela em fotos por satélite ou sonda...:))
cada vez que faço essa pergunta é sinal que continuo há procura... e quase nos quarenta anos de idade volto a repeti-la a saber que eu não sou este eu. Beijinhos e menos angustia.
Realmente, por mais que nos conheçamos ou façamos por nos conhecer, por mais que tentemos ser livres, não dependentes de nada nem de ninguém, para nos conhecermos ainda melhor, por mais que os anos passem e as lições da vida nos ajudem a encontrar-nos, o facto é que nunca sabemos totalmente quem somos e com o que podemos contar de nós próprios. Pois não somos nós mesmos, uma caixinha de surpresas, que até a nós nos surpreende? Não tentamos todos os dias ultrapassar-nos e surpeeender-nos e ir mais e mais além?Quantas vezes ao falar comigo penso, como foste ou não capaz? Como conseguiste? Sim. acho que sou mesmo uma surpresa para mim própria. E o que é mais engraçado é que, quanto mais Livre me sinto em relação a tudo e todos, incluindo dependências afectivas e materiais, ou seja quanto mais liberdade tenho para pensar em mim e conhecer-me, mais acho que não me conheço. Simplesmente porque essa liberdade, resultante de alguns aninhos desta vida e de conseguir dizer sim ao que quero e não ao que não quero, me tranformaram numa pessoa mais forte e, por isso, também, com mais capacidade para desafiar o mundo, e acreditem, para me desafiar a mim prória! Daí achar que cada vez me conheço mesmo, porque cada vez mais sou um novo desafio, até para mim própria.
Mas quero, cada vez mais, arriscar este desafio!! Vale a pena e é-se mais feliz!!! E cada ano que passa é uma nova descoberta, seja aos vinte, aos quarenta ou aos sessenta. Quero sim que seja até ao último dia da minha vida, seja ele lá quando fôr.
Deixo uma passagem de Amin Maalouf em "Leão, o africano", que adorei e em que me revejo totalmente, mesmo ainda, nos meus quarenta e três anos de vida, tendo poucos cabelos brancos:
"E foi preciso esperar pelos meus primeiros cabelos brancos, pelos meuis primeiros lamentos, para me convencer de que todos os homens, incluindo o meu pai, têm o direito de ir por um caminho errado se pensam estar a seguir a felicidade. Desde então, passei a amar os seus erros, tal como espero que tu amarás os meus, meu filho. Desejo-te que, por vezes, também tu te desvies. E desejo-te que ames, como ele, até à tirania, e que te mantenhas durante longo tempo disponível para as nobres tentações da vida".
Beijinhos
Caríssimos
Respondo em bloco, tal o impacto destes humildes versos.
O poema do Drumond é lindo. Aliás, como quase toda a obra dele. Devo dizer que gosto muito de romances, mas a poesia encanta-me - creio ter perto de trezentos livros de poesia, incluindo várias Antologias. Mão amiga fez-me chegar, este há vários anos, os poemas de Safo - primeiro apenas em grego (!), depois já fifty-fifty - é o que estou a ler actualmente.
Quanto a estas "angústias" (que provavelmente não o serão na verdadeira definição da palavra, mas mais a percepção da nossa fragilidade física e psicológica), para mim é mais uma consciência de que o tempo é precioso, porque finito. É esta baliza que me marcou, desde há uns meses, e curiosamente eu, que tinha uma aposta com deus (ou o diabo), desde os dez anos de idade, em como morreria aos 54, já revoguei (unilateralmente, OK, mas revoguei) esse "contrato" e espero festejar copiosamente no dia 27 de Outubro de 2010.
Talvez por tudo, mais os filhos, agora os netos e os amigos, amo a vida e quero sorvê-la avida e gulosamente. Esta "ansiedade" talvez me leve a desconsiderar certos convites, o convívio com algumas pessoas e a evitar certos lugares - um pouco a arrogância de quem percebe, aos 52 anos, que pode e deve mandar na sua própria vida, sem estar permanentemente a sentir-se culpado ou a querer "consensos" e agradar a todos.
Concluindo este arrazoado um pouco caótico (talvez por ter ido ao Algarve de manhã e voltado agora - no combóio li "Le dieu du carnage", da Yasmina Réza: muito bom), seja aos 20, 40 ou 60, a vida é mesmo bela de se viver, bela para se fruir e bela para se amar. E a descoberta de nós próprios leva a mais projectos, sonhos e iniciativas - que potencia o amor que se tem à vida.
Catarina
"Leão, o Africano", teve um tal impacto em mim, que foi a minha primeira escolha para a estante do Blogue.
É bonito, cheio de significados e "lê-se como um filme".
Bjs
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