terça-feira, 22 de julho de 2008

Não-rima



Estes versos não rimam
De propósito
Como não rima o Universo
Em que vivemos
Mesmo quando temos
A arte
E o despropósito
De sermos só parte
Do depósito

Estes versos
Parece que rimam
Mas não rimam,
As fonéticas parecidas
São produtos do acaso
Como “acaso”
E “diabo”
Ou “ocaso”
E “acabo”

A vida é assim,
Plena de assimetrias
E de amplas geografias
Das almas
Das pertenças
E das gentes.
Não há rima possível
Para o inatingível,
Qual o verso
Ou o reverso
Para a calma,
As crenças
Os países
E os continentes?

Ai daqueles que pensam
Que as coisas se compõem
Só porque as desejamos
Compostas
É o mesmo que inventar respostas
Para perguntas que não temos.
O mundo é desigual
Marcadamente desigual
Desigualmente subjectivo.
E eu poderia estar aqui
A inventar adjectivos
Sufixos e outras formas gramaticais
E que mais...
Que mais sei?!
Apenas que estes versos não podem rimar
Porque tentam reflectir a vida
Em desconcerto
E a vida não é o sonho dos poetas
Nem a vida dos patetas
Em que tudo pode bater certo
Apenas porque queremos.

Estes versos não rimam
De propósito,
Ou melhor,
Estes versos, nem de propósito
Rimam.

7 comentários:

Virginia disse...

Não rimam....mas tocam cá no fundo.Simplicidade e ritmo...é o que faz um poema sê-lo a sério.

Anónimo disse...

Não rimam?!!!Encantam e têm uma agradável musicalidade.Versos, só lidos em voz alta.Murmurados,não,ficam sem "garra".E estes têm-na.
Por sugestão de um "piqueno", cá de casa, deixo-lhe uns versos de infância(já vão na 3ªgeração)e são dos preferidos!

Da onda redonda
sorri,Gioconda,
rolado sorriso!
Sorriso de maga,
boiando na vaga!

Seu canto de encanto,
a mim deu-me tanto
de graça e de luz!
Sem ele nem sei
se eu mesmo serei!

Antiga cantiga,
tão doce inimiga
que sabe a saudade
Só ela soluça,
só em mim se debruça!

Na dança balança
e os braços me lança,
erguidos no ar.
Com braços de espuma,
não há mais nenhuma!

(da tradição oral das terras de bruma e de lava)
Hasta siempre!

Anónimo disse...

A Arte floresce neste blog! Só artistas (e dos grandes!). Mas não floresce da mesma forma que essa flor o faz (na imagem). Floresce num belo jardim, ao lado de muitas outras flores, sendo que, embora existam em quantidade abundante, não podemos deixar de reparar em cada uma das flores independentemente. Há solo fértil, e é tudo menos curioso que aqui floresçam coisas bonitas. Não é por acaso. Estamos longe da calçada cinzentona da foto.

Mário disse...

Virginia, obrigado. Já que não pinto... pelo menos sinto!

Anónimo: mais uma excelente contribuição. Li o poema que enviou, com voz bem alta, e resulta mesmo.

JP: contribui também - envia o que quiseres e publico. A flor pode ser o nosso mundo, e a calçada o que não queremos, o que detestamos e o doppelganger que não desejamos conhecer...

Anónimo disse...

Se rima ou não rima, não sei,
só sei a história que pinta e que a flor é linda.

Já que é poeta,fique-se com esta...

A vida é sonho
é sonho projecto,
projecto concreto
é alegria e amar
é lutar e conseguir
é persistir e ouvir.
A vida?!
é uma vida sonhada
em que tudo bate certo
como o sonho do poeta
que a alegria reflecte.

Mário disse...

Carmo, obrigado.
Se o hiato entre a fantasia e a realidade é (e deve continuar a ser) grande, poderemos porventura, com alguma arte e humildade, tentar diminuí-lo, não baixando as expectativas e os sonhos, mas provavelmente aumentanto diariamente os nossos graus de liberdade.

Anónimo disse...

Ora aí é que está a questão, mesmo com muita arte e humildade, quando de mansinho, muito de mansinho vamos aumentando o nosso grau de liberdade e estamos a caminho de juntar o sonho à realidade, zás! lá vem um impedimento de repente e sem mais nem menos!
Embora a distância entre a realidade e a fantasia seja saudável e desejável, sonhar não é nada mau e quando se torna realidade melhor!