segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

a valsa de Bashir e outras tantas recordações...



Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo.

Sócrates (o que não era Pinto de Sousa)


Em 1983, tivemos, eu e a Isabel Catanho de Menezes, um encontro secreto, no antigo Hotel Penta, com um dirigente da OLP, que estava em Portugal clandestinamente, e que pretendia ver traduzido para português um livro ("L´affaire Israel")de um conhecido autor/jornalista/filósofo francês, Roger Garaudy, sobre o conflito israelo-palestiniano que abordava, com grande detalhe e rigor factual, o massacre de Sabra e Chatila, perpetrado no Líbano pelas Falanges católicas ultra-direitistas, com a cumplicidade directa de Ariel Sharon.

O Livro foi traduzido e levou-nos a interessantes pesquisas e, consequentemente, a um conhecimento mais profundo das origens do conflito israelo-palestiniano, uma guerra entre povos que conviveram, durante milénios, no mesmo território, "onde os laranjais floriam e a água corria, como floria e corria a paz". Infelizmente, o editor que se tinha mostrado muito interessado, deixou por razões políticas cair o projecto, e a OLP não conseguiu ninguém que pudesse colocar o livro nos escaparates, na versão portuguesa.

Passados vinte e cinco anos, surge um filme sobre o assunto - Valsa com Bashir. Penso agora exactamente o que pensava na altura: basta! chega! é possível (con)viver em paz!

A valsa de Bashir não pode continuar eternamente, mesmo que o que se passa em Gaza nos deixe pessimistas.

PS. durante estes últimos dias comuniquei algumas vezes com um pediatra israelita, de quem sou amigo, e tentei falar com um que trabalha em Gaza (mas deste não consegui obter resposta). Encontrei-os em Barcelona, há mais de dez anos onde, sob a organização de Pasqual Maragall, na altura presidente da Câmara, e de Oriol Vall, um pediatra muito dinâmico da Catalunha, se pretendia lançar um programa de Saúde Infantil no Mediterrâneo, com intercâmbio científico, técnico e o uso das "novas tecnologias" para que os países mais pobres pudessem ter possibilidade de acesso a saúde mais eficiente. Tomámos muitas "copas" juntos, conversámos, discordámos, discutimos e concordámos. E concordámos numa coisa - que a paz é possível - e foi à Paz que brindámos, no Els Quatre Gats, num momento que nunca esquecerei.

O meu amigo israelita disse-me ontem estar a tentar lançar um movimento que possa, de alguma forma, proteger as crianças da Região, sejam de que Estado ou religião forem, dos efeitos da Guerra e da instabilidade. Espero que o consiga - comigo ele já sabe que pode contar!

Sabra, Chatila, Bashir Gemayel. Até quando? Se há Deus, que tenha dó e não seja tão perverso nem se divirta com o sofrimento alheio. Se não há, porquê matarmo-nos por alguém que não existe?

2 comentários:

Virginia disse...

Estive em Jerusalém em 2000 e fiquei impressionada com a cidade, sobretudo com a verdura por todo o lado, que me lembra a canção do Adamo "Inch'Allah". Simultaneamente impressionou-me pela negativa a arrogância e falta de empatia com os turistas demonstradas pela Guia e outras pessoas do aeroporto, hoteis, etc. Não é povo que se ame, embora se possa admirá-los. Compreendo a causa palestiniana, mas nestes vejo o reverso da medalha, simpatia e até humildade ( na Jordânia, por exemplo), mas uma inércia muito grande e incapacidade de viver em democracia. São soldados desde crianças e não sabem fazer mais nada.
É terrível ver as crianças morrer assim estupidamente numa terra que deveria já ser civilizada.
Parece um problema sem saída e que se vai arrastar ainda até ao próximo século...

Pintarriscos disse...

Quando todos os dias assistimos pávidos e serenos, devidamente protegidos pelo vidro do plasma do LCD, à chacina diária de crianças, é tempo para nos perguntarmos se não seria melhor a nossa espécie se extinguir de vez. Sim, é verdade que também somos capazes de actos fabulosos, mas pelo que temos exponencialmente assistido nos últimos anos, a atracção pelo lado negro da vida está decidamente a ganhar pontos. Onde vai parar não sei. Fica a sensação de que todos, mas mesmo todos os problemas do mundo se resoveriam com um pouco de boa vontade. Peço perdão pelo pensamento utópico, mas nem por isso irrealizável. Basta ler, por exemplo o "The End of Poverty: Economic Possibilities for Our Time" de Jeffrey D. Sachs.