quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

desejos para o Ano Novo




Recomeça...
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…


Miguel Torga

6 comentários:

Virginia disse...

Poema muito arrojado....mas verdadeiro, é preciso arriscar em certas alturas da vida, atirarmo-nos para a frente, às vezes, contra tudo e todos, vencer a inércia, o medo, a razoabilidade ou mesmo a consciência moral.
Já provei e gostei....não lesei ninguém profundamente nas minhas tentativas de libertação e beneficiei algumas dum modo muito positivo.

Nada de extremismos, mas arrojo todos os dias....

Virgínia

Anónimo disse...

O início e o final do poema encerram um pormenor bastante curioso.
Tudo começa com um "Recomeça...". Já a encerrar o poema temos "Onde, com lucidez, te reconheças...". Não podemos, de facto, fugir a quem somos. Podemos ter momentos de loucura, ânsia de libertação. Contudo, tornarmo-nos alguém totalmente diferente é sempre impossível. A mudança é sempre um salto de fé mas apenas podemos alcançar uma outra visão do que já somos. Podemos recomeçar, mas, se nos deixarmos de reconhecer, há-de haver uma parte de nós incompleta. Estas coisas da personalidade e das emoções são normalmente assim, não há escapatória ao nosso verdadeiro núcleo sentimental.
Pode aproveitar-se isto para reflectirmos sobre as "resoluções de ano novo". Ousar sempre, mas temos de nos rever no que fazemos, acima de tudo.

Virginia disse...

João Pedro,

Concordo com quase tudo, mas "reconhecermo-nos" também é não nos deixarmos desfigurar; isso exige coragem para mudar hábitos, contrariar vontades e até recusar alianças, sabendo que tudo isso vai apagando a nossa personalidade e a vai moldando à dos outros que nos rodeiam...

Mário disse...

Acabei de chegar de um jantar de Ano Novo, em Óbidos, com os meus filhos e netos - recomeçar, mas baseado na tradição emotiva e sentida que o meu Pai sempre fez questão de manter. Foram os seus jantares de Ano Novo, no Algarve, que marcaram, em mim, o dia 1 de Janeiro.

Recomeçar não quer dizer renegar o passado, mas repensá-lo e prossegui-lo, com todos os cambiantes que podem fazer de cada dia o aperfeiçoamento do dia anterior. É isto a nossa evolução interior, que se projecto nos outros, sobretudo naqueles que nos dizem mais e que vamos a pouco e pouco descobrindo. Sejam irmãs, clientes, amigos ou quase estranhos.

Não digo a idade do João Pedro nem da Virgínia, mas é tão reconfortante ver um diálogo (aqui e já em muitas outras ocasiões) entre pessoas em estadios de vida tão diferentes... no fundo, não há idades, só ideias e factos. E todos vivemos mil vidas, como escreveu Fernando Pessoa, completando cada uma delas de diversas e variadas formas.

Agora vos garanto: sou cada vez mais judicioso com o tempo - como o gasto e com quem. Abraços.

Anónimo disse...

Pensava justamente nisso.
Somos pessoas diferentes com experiências diferentes. É engraçado que, quase silenciosamente, cada um (ex)põe a "sua" realidade naquilo que escreve. Por isso é que para vermos tudo precisamos de "não pensar". O Passado intromete-se e tolda-nos a visão. Daí Caeiro ter o desejo de "ver sem pensar". Caso isso fosse possível, não haveria nada a escapar-nos. Observaríamos tudo. Mas, na verdade, será que o apreciaríamos da melhor forma?

Mário disse...

Cada porta que abrimos leva-nos a um salão onde existem dez, e cada uma dessas dez leva-nos a novas salas com mais portas e mais salões. E escadarias e labirintos.

Não sei se "só sei que nada sei", mas pelo menos sei que "quanto mais sei menos sei".