sexta-feira, 10 de julho de 2009

uma história do outro mundo...

Lembram-se do Piano Man? Já passaram quatro anos, mas vale a pena recordar este caso, pelo bizarro e pelo inédito.

Um dia, numa praia do sul de Inglaterra, apareceu um homem de mais de um metro e noventa, de fato e gravata, com cerca de 25 anos, completamente encharcado e com um rolo de partituras no bolso. Não era capaz de falar.

Levado para um hospital psiquiátrico em Dartford, pediu uma folha de papel mas, em vez do nome ou de qualquer outra indicação, desenhou um piano.

Os médicos pensaram que desejava tocar e conduziram-no à capela do hospital, onde havia um instrumento. Dizem os presentes, que o Piano Man "atacou" Tschaikowski, Chopin, Beatles e outros autores contemporâneos, improvisou, e assim esteve durante quatro horas. Depois remeteu-se ao silêncio durante quatro meses.

Começou então a procura da resposta: "quem é ele?" - Seria um pianista austríaco gay? Um mimo polaco que vivia em Roma? Um francês que se chamaria Steven Villa Masson? Parece que um grande concertista tinha desaparecido, no Canadá, e era tido como tendo ataques de amnésia. Mas também havia o caso de Klaudius Kryšpín, um músico checo de uma banda chamada Pražský výběr.

Um dia, o Piano Man apontou vagamente num mapa a cidade de Oslo. Logo surgiram várias vozes de reconhecimento - era um pianista norueguês, dado como desaparecido. Mais, um barco norueguês tinha passado perto da praia onde o Piano Man tinha sido encontrado. Só que o Piano Man desenhou o que poderia ser a bandeira da Suécia: ah! provavelmente norueguês a viver no país ao lado.

Quatro meses depois, quebrou-se o segredo: foi o próprio Piano Man, que saíu do mutismo e esclareceu o povo: era alemão, gay (depois o pai desmentiu), e tinha estado a trabalhar em Paris, num hospital psiquiátrico. O pai tinha uma quinta, na Alemanha, e tinha duas irmãs.

Um dia, tomou o combóio Eurostar para Londres e, por ter perdido o emprego, pensou em suicidar-se. Foi quando estava a decidir se o faria que a polícia interveio e o apanhou. E foi então que Andreas Grassl - porque é esse o seu verdadeiro nome -, decidiu forjar a sua história. As roupas não tinham etiquetas - foram cortadas pelo Piano Man, mas interpretadas pela presidente da Sociedade Britânica de Autismo como um sinal quase patognomónico da doença.

As opiniões dividem-se: o Piano Man teria estado sempre a improvisar, ao calhas, sem qualquer sentido de composição musical. Outros garantem ter ouvido excelentes interpretações de autores clássicos e modernos.

Quatro meses - tempo que causou custos ao Serviço Nacional de Saúde e que alguns pretendem ver ressarcidos - e lá segue Grassl, de 20 anos, para a Alemanha, mais concretamente para a Baviera. O pai afirmou que o filho tocava muito bem piano, embora não fosse um profissional, e o advogado referiu "alterações psicóticas" para fazer recuar a tese do embuste. O que é certo é que fazia críticas sobre música pop num jornal local, e estava horas na net.

Passados dois anos foi para a Suiça e, ao que consta, por lá anda, a estudar literatura Francesa. Um dia destes será o "L´Homme du Piano"...

3 comentários:

miguel disse...

Mais do que com a história de Andreas Grassl, pasmo com os caprichos, traiçoeiros, do tempo : quatro anos passados e parece que foi apenas ontem. É persistente e implacável, o tempo.

Da história, estranho a sua singularidade, como se o mundo das relações e a brevidade da vida não fossem indutores de mais Andreas e todos andássemos por aqui na maior das serenidades, aptos para lidar com as tempestades tal como se lida com as bonanças.

Anónimo disse...

Esta história faz-me lembrar os romances do Paul Auster, em que o homem é sempre um joguete da sorte ou do azar, as relações tensas e os acontecimentos repentinos, como se não houvesse momentos sucessivos de felicidade na vida dos indivíduos ou sequer o direito a ela.
Foi um mistério e continua a ser um mistério.
Como o Miguel, tb pasmo diante do tempo, passam-se 4 anos ( e na minha vida tudo mudou nestes 4 anos) e parece que foi ontem.....

V.

Mário disse...

Esta história impressiona-me porque há algo de diferente e misterioso, em que os intervenientes vão escrevendo o enredo e adicionando pormenores de suspense(como a dúvida se ele tocava ou não piano...). Até o facto de o primeiro piano estar na Capela do hospital.
Adorava fazer um filme sobre este caso, assim como sobre o mistério do San Pedro de Alcantara, que naufragou em Peniche.
Ou outro, ainda, aproveitando o magnífico texto do Miguel Leal: "The Cello Man", que é como quem diz: "O Violoncelista".