segunda-feira, 10 de maio de 2010

o tédio

O tédio é um sentimento, um estado de falta de estímulo, ou a sensação de que algo se repete sem que isso traga alguma mais-valia, algum interesse.




A monotonia é o que há de mais belo ou de mais terrível. De mais belo, se for um reflexo da eternidade. De mais terrível, se for indício de uma perenidade imutável. Tempo ultrapassado ou tempo esterilizado. O círculo é o símbolo da bela monotonia, a oscilação pendular da monotonia atroz.
Simone Weil, in 'A Gravidade e a Graça'
 
Monotonizar a existência, para que ela não seja monótona. Tornar anódino o quotidiano, para que a mais pequena coisa seja uma distracção. No meio do meu trabalho de todos os dias, baço, igual e inútil, surgem-me visões de fuga, vestígios sonhados de ilhas longínquas, festas em áleas de parques de outras eras, outras paisagens, outros sentimentos, outro eu.
 
Mas reconheço, entre dois lançamentos, que se tivesse tudo isso, nada disso seria meu.
 
Mais vale, na verdade, o patrão Vasques que os Reis do Sonho; mais vale, na verdade, o escritório da Rua dos Douradores do que as grandes áleas dos parques impossíveis. Tendo o patrão Vasques, posso gozar a visão interior das paisagens que não existem. Mas se tivesse os Reis do Sonho, que me ficaria para sonhar? Se tivesse as paisagens impossíveis, que me restaria de possível ?
 
(...) Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada. Se fosse alguma coisa, não poderia imaginar. O ajudante de guarda-livros pode sonhar-se imperador romano; o Rei de Inglaterra não o pode fazer, porque o Rei de Inglaterra está privado de o ser, em sonhos, outro rei que não o rei que é. A sua realidade não o deixa sentir.

Fernando Pessoa, in 'Livro do Desassossego'

 

Passo pálida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela é! Parece morta!”
e eu que vou sonhando, vaga, absorta,
não tenho um gesto, ou um olhar sequer ...

Que diga o mundo e a gente o que quiser!
– O que é que isso me faz? O que me importa? ...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!

O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!

E é tudo sempre o mesmo, eternamente ...
O mesmo lago plácido, dormente ...
E os dias, sempre os mesmos, a correr ...

Florbela Espanca - Tédio

7 comentários:

Anónimo disse...

O tédio é um estado de alma como outro qualquer. É igualmente importante. Não podemos viver sempre com estímulo, tornar-se-ia cansativo e sufocante, mas também não sempre com tédio, tornar-se-ia triste e deprimente. A felicidade e a sensação de gozo e verdadeira fruição da vida residirá, creio, no meio termo e no balanço entre ambos os estados, com muitos sentimentos e emoções à mistura.
Tudo dependerá da maneira como somos ou não senhores da nossa vida e das diversass fases da mesma. E de como queremos ser felizes e encaramos esta pequena e fugaz passagem por cá...!!

Um beijo,
Catarina

Virginia disse...

Ai que saudades imensas dum tédiozinho qualquer. Não sei o que isso é há anos. DFeixo sempre coisas para me preencherem esses minutos, em que esse sentimento me posso invadir...tedio??

Só na cara das pessoas que vão no metro e no autocarro e que não sabem em que pensar...nem a isso me permito, penso sempre...

E agora vou para a minha vernissage no Spazo Zen...querem vir??

Virginia disse...

Olha, mano, afinal retiro o que disse.

TEDIO é o qe sinto a abrir a TV hoje as 7 da tarde e voltar a ver a festa do Benfica , desta feita na Câmara de Lisboa (a comprar votos por tuta e meia)
num assomo de histeria que choca os eleitores que não votaram PS nem são adeptos benfiquistas e que têm o direito de ver TV pois pagam para isso.

Usem o vosso canal!! Não usem cinco canais para nos encher de TEDIO!!

Até parece que ganharam a Champions League!!


Isto é que gera TEDIO, TEDIO, TEDIO e mostra bem o povoléu que somos, uma miséria ridícula que se apelida de nação!

Mário disse...

Tédio, para mim, é o sentimento de "mais do mesmo não, por favor", mas perante uma realidade que o hoje em tudo se parece com o dia de ontem, e o amanhã provável repetição do hoje... apenas isso. E há dias em que nos sentimos assim, e que nada t~em a ver com política, futebol, amor ou outra coisa qualquer.
Deve ser do vulcão!

Anónimo disse...

.
Já Mário Sá Carneiro dizia:

'Eu não sou nem sou outro
Sou o pilar da ponte do tédio
Que vai de mim para o outro...'

zé disse...

Este Pessoa... Que maravilha...
Tédio é sentir-me inútil, é não querer pertencer-me, não gostar de conviver comigo às vezes. É, no fundo, sonhar com o utópico, com alguém que não sou, com algo que não tenho, com o que não vivo.

Rita disse...

Mas que tema e comentários tão interessantes! Concordo com todos, porque me identifico no que dizem. Porque se torna um grande peso pensar nas formas que o tédio tem, que ao mesmo tempo nos responsabiliza pelo que fazemos e pela maneira de vivermos. Mostra-nos como somos pequenos em grandes nadas, que a rotina desta forma de vida, que esta sociedade agora nos apresenta como aceitável, é também ela duvidosa, porque não nos sentimos totalmente livres.
Somos as escolhas que fazemos, os momentos que pensamos ou paramos. Acho que o que nos dá sentido, no fundo, é a relação humana, a capacidade de nos relacionarmos e fazermos sentido para quem por nós passa, mesmo só com um olhar.
Tédio como um silêncio que nos incomoda, mas nos faz crescer na reacção ao desconforto.