domingo, 18 de janeiro de 2009

Ary - um grande poeta

Ary dos Santos. Um grande Poeta português. Morreu faz hoje vinte e cinco anos.
Nasceu em Lisboa em 1937, e saiu de casa aos 16 anos, exercendo várias actividades para sobreviver.

Publicou vários livros: Asas (1953), Liturgia de Sangue (1964) Azul Existe, Tempo de Lenda das Amendoeiras e Adereços, Endereços (todos de 1965), Insofrimento In Sofrimento (1969), Fotos-Grafias (1971), Resumo (1973), As Portas que Abril Abriu (1975), O Sangue das Palavras (1979) e 20 Anos de Poesia (1983). Em 1994, foi editada uma colectânea das suas obras.

Em 1969, colaborou na campanha da Comissão Democrática Eleitoral e, mais tarde, filiou-se no Partido Comunista Português, mantendo embora um estilo muito pessoal de fazer política - a palavra.

Conhecido também como autor de poemas para canções dos Concursos da RTP (basta relembrar Desfolhada, Cavalo à Solta ou Tourada, entre outras. Irreverente, corajoso, satírico, politica e socialmente incorrecto, apaixonado, vibrante, triste, desiludido, sonhador, deixou cerca de 600 textos destinados a canções.


Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

3 comentários:

Pat disse...

Ary dos Santos é um dos meus poetas favoritos.
Deixo-te aqui um poema dele, um mimo para ti.
Beijinho grande.

Desbaratamos deuses, procurando
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.

Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.

Pois deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,

Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.

Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue'

Virginia disse...

Grande poema, gostava de poder ouvi-lo recitá-lo.
Há pessoas que têm um dom quase divino para jogarem com os sons - porque poesia para mim é como música - e entrelaçando-os transmitirem uma mensagem que é sempre bela porque poética.

Anónimo disse...

Quando se me deparam poetas, romancistas, enfim, artistas como Ary, sinto-me velho. Não, não é uma sensação negativa nem tão pouco física.
Nasci depois do 25 Abril mas vivo tanto os seus valores e conquistas que, mal ouço falar em algo que com Abril se relacione, fico nostálgico. Como se lutas tivesse travado, projectos elaborado ou pela PIDE tivesse sido encarcerado, Abril tem uma importância extrema na minha vida. Aos seus valores me agarro, das suas gentes me socorro; isto para tentar esquecer ou ignorar o país em que se tornou Portugal depois daquela data. Tornámo-nos muito modernos, muito "in", muito fashion, frívolos! Pensar? Quantos mais pensam para além de uns quantos que, poderá dizer-se, são já uma elite? Pensar não é ser culto nem ter muito ruído na cabeça... É ter noção do que é uma simples e singela pessoa e tratá-la como tal. Enfim, é muito mais do que isto; mas se isto cada vez menos acontece, que será do resto?
Ary e muitos outros eram Pessoas para as pessoas. Pessoas com terra debaixo das unhas, sem medo, com um sentido de justiça que abalroava receios para se fazer valer.
Outro dia, aqui no ESCA, estava um pai com pouco mais de trinta anos. Eu estava a ouvir Zeca Afonso. A mãe do menino disse "olha, filho, um senhor que nunca hás-de conhecer." Ao que o pai responde "também não perde nada."
O que é isto? Não gostar é legítimo. Falar assim do Zeca é punível com uma semana na solitária de Peniche!
Enfim, já me perdi e fugi do tema, mas foi apenas mais um escape...
Abraços!