Todos temos, do Natal uma concepção muito íntima, embora influenciada por determinantes familiares, culturais e religiosas. O meu Natal é todo cheio de pequenas futilidades, algumas imprecisões históricas e muitos lugares-comuns.
Já não me sinto excitado com a perspectiva de receber prendas, porque, com o tempo – esse tempo que nos faz perceber que um dia deixamos de ser crianças e que os reis da festa são sempre as crianças que já não somos – acomodei-me à ideia de sair da consoada com boa disposição, barriga cheia e, invariavelmente, na posse de um número variável de pares de meias – geralmente de boa qualidade - boxers de padrões variados - as pessoas sabem que não uso cuecas - e uma ou outra camisa escolhida, diga-se de passagem, com critério e muito amor.
Sou sensível ao ambiente natalício, na sua vertente comercial, porque gosto do bulício dos centros comerciais e daquela música que faz o fundo desse bulício. Acho uma certa piada ao Pai-Natal e não o dispenso nas suas versões mais tradicionais, isto é, como um velhinho de barbas brancas, cheio de bonomia e de saco às costas. Não posso é com o hábito recente que as pessoas têm de andarem de barrete de pai-natal enfiado na cabeça; faz-me lembrar o Carnaval. Não concebo o Natal sem frio mas dispenso a chuva. Fantasio com um nevão que ainda não aconteceu. Gosto também de todo o tipo de presépios, desde as figuras clássicas compradas em lojas de artigos religiosos aos que são mais arrojados do ponto de vista estético. Também não dispenso o presépio em casa, com musgo, a Sagrada Família, os Reis Magos, pastores e pequenos animais – mesmo assim o burro tem que ser o clássico, dispenso as versões tipo “burro mirandês”. A imagem que eu tenho do Menino é, recorrentemente, a de uma criança de pele clara, risonha e olhos azuis e expressivos e com aquela aura de santidade necessária naquele que nasceu “O Messias”. Não concebo fisicamente o Menino como expressão das suas origens semitas mas aceito, no entanto, um São José moreno, de ar rústico. Adoro aqueles corais residentes das Catedrais Inglesas, que cantam, de maneira soberba, as canções tradicionais. Pelo contrário, não posso com os ritmos modernos e as melodias banais do Coro de Santo Amaro de Oeiras.
A Páscoa, para mim, é sinónimo óbvio, entre outras coisas, de a “Paixão segundo São Mateus” de Bach – e já a ouvi, ao vivo, pelo menos 10 vezes, quatro horas de beleza transcendente – mas o Natal não é necessariamente sinónimo óbvio de “Oratória de Natal”. Prefiro a ligeireza do “Jingle Bells”.
Enfim, o Natal normal dum tipo normal.
Mas apesar da minha normalidade, não quer dizer que não seja sensível a frases do tipo "O Natal é quando o Homem quiser" ou "O Natal são todos os dias". Sabemos que há quem conjugue o Natal na terceira pessoa e que há quem tente fazer Natal, todos os dias, semana após semana, ano após ano. Suponho que se sintam interpelados pela religiosidade e pelo compromisso de vida que a religiosidade envolve e requer. São pessoas que gostam de viver, dando. Trazem uma semente na mão pronta a ser lançada quotidianamente à terra, para que dê frutos.
Para todos os amigos, a expressão da minha admiração. Para eles e todos os outros um Santo e feliz Natal.
p.s.- Após a breve e recente incursão que fiz pelo "El Corte Inglês", retiro, do texto a referência ao bulício natalício dos centros comerciais…definitivamente
Miguel Leal
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
Já nem me recordava deste texto mas fico muito feliz com o facto de o meu amigo Mário se ter lembrado dele.
E reitero, hoje:
Santo e feliz Natal para todos os leitores deste " Espaço azul...
Miguel Leal
Visão do Natal muito sã, nem oito nem oitenta, Natal com todos os ingredientes mais saborosos para que não fique a sensação de que algo faltou.
Aqui no norte, a tradição ainda é o que era e para lá das prendas - a que muitos já não dão importância mesmo nenhuma - há o bacalhau com todos, mesmo todos, as rabanadas,as filhós, os fritos de abóbora, as natas do céu, a aletria doce, o queijinho da serra, o ananás, o champagne...e as crianças. Não dispensamos o piano e as cantorias tradicionais cantadas em família, desde a Oratória (!!!) até ao O Menino está dormindo. Não somos exigentes na performance...:)
Um Bom Natal para si, MIguel, que não conheço a não ser do ciberespaço.
Bom...o meu Natal foi, é e será...espero, por alguns anos.( aquele que (d)escrevi é o de hoje, meu, tão meu que nele omiti os meus filhos que são a razão de ser do meu Natal.
Daquele que foi, lembro-me do terço rezado em genuflexão (!), dos discos em vinil, que eram as prendas mais ansiadas e da Missa do Galo - o fim do Advento e o nascimento do Menino - única celebração anual onde se ouviam as canções de natal da infância de ( quase ) todos os meninos. Esses eram, para mim, natais mais santos do que os de hoje.
Hoje , por razões de afinidade, passo parte do Natal numa aldeia que se vai " aggiornando" a passos largos. Subsistem , no entanto,como manjar típico, os coscorões, a meio caminho entre a fartura e o " sonho", que são confecionados como se fosse um ritual .
Aqui na urbe, passo o Natal em Belém, o que não deixa de ter o seu quê de simbólico. Cada um de nós, adultos, tem o chamado " amigo oculto", ou seja, damos e recebemos presente a e de uma só pessoa, cujo nome é sorteado. Logicamente que o meu " amigo oculto " não sabe quem eu sou. Tentará adivinhá-lo a partir das características do presente que recebeu. E o mesmo se passa com os restantes convivas. Tem uma certa piada o momento da adivinhação, embora haja menos adivinhações do que equívocos.
Ah...e juntam-se 4 gerações, facto que consubstancia um sinal dos tempos ( ...que viva a Medicina)
Os meus Natais têm variado.
Até "sair" de casa, eram, no dia 24, a ida à Missa do Galo, depois, à meia-noite, a abertura dos presentes depositados no sapato de cada um (ritual que demorava algumas horas...) e depois beber chocolate quente, espesso e feito em casa, e comer filhozes, bolo-rei e rabanadas. No dia 25 havia jantar e o dia era consagrado a acordar tarde, brincar com os presentes e esperar a vinda dos familiares mais "alargados", que embora poucos eram essenciais: tio, primos.
Depois, passei a dividir Natais: a consoada em casa dos sogros, o o almoço em casa da avó-sogra e jantar em casa dos pais.
Quando me separei, decidi fazer um natal diferente, e passei a Consoada visitando instituições para crianças, em que as pessoas estavam a trabalhar: a Ajuda de Berço, a Linha Dói-dói Trim-trim, e um lar de crianças.
Actualmente passei novamente à consoada em casa da sogra e jantar de Natal em minha casa, com a Catarina, filhos e netos e irmã e sobrinhos do lado dela.
Para mim, contudo, o Natal é mais do que esses momentos: fazer a árvore, que começa a ser idealizada, depois comprada e finalemnte arranjada no final de Novembro, os enfeites, a compra dos presentes (aqui e ali, conforme a inspiração e o que se vai vendo, ao longo de quase dois meses), e a visita a amigos no dia 24 e 25, desde o barbeiro que há trinta anos me corta o cabelo e que tem sempre bolo-rei e vinho do Porto para quem queira aparecer, passando pelos lanches de Natal dos meus quatro filhos, ou as festas das escolas.
Não me atrevo a responder a perguntas muito filosóficas sobre esta Quadra - quero lá saber. O que me interessa é vivê-la como posso e como quero, mas centrada nos valores positivos da Humanidade e no que ela tem de bom, execrando os muros de lamentações ou as visões catastrofistas do presente ou do futuro.
E gosto de uma certa algazarra nas ruas, de ver as iluminações com os miúdos, de desejar Bom Natal a todo o "bicho-careta" - sabe bem. e a este tema voltaremos...
Enviar um comentário