Cada vez que releio Pessoa, ou cada vez que ouço os seus poemas na voz do
Chiaro Amico mio Mariano Deidda, sinto que este poeta é mais do que qualquer pessoa pode imaginar.
Demonstrou as múltiplas faces de que somos compostos, as nossas personalidades que requerem igual número de vidas, de sentires, e o gosto de viajar por terras imensas, pelos astros e pelo Cosmos, para sempre. Somos um conjunto de individualidades, e só nos completamos com muitas pessoas diferentes, que não têm obrigatoriamente a ver umas com as outras.
Neste dia, queria relembrar António Mora que foi, possivelmente, um dos heterónimos mais desconhecidos do Poeta.
Filósofo, as suas ideias estão contidas num só tratado - os "Prolegóme-
nos para uma Reformação do Paganismo". Admirável o poema de Deidda sobre a morte de Pessoa, em que António Mora o visita e lhe pede para ficar mais uns momentos, enquanto Fernando Pessoa e enquanto pessoa, antes de explodir em milhares de partículas que cairão sobre a Terra e disseminarão o poeta por toda a parte.
Pessoa foi tudo. Foi o Tudo. E, viverá sempre, num átomo que incorporará um gato que brinca na rua; nos lábios de uma jovem inglesa que olha, estarrecida, uma praça de Lisboa; ou no esgar de um velho que se arrasta pelas ruas do Bairro Alto, de regresso à casa de onde, provavelmente, nunca mais sairá.
Fica a memória, deste grande, grande poeta, deste grande português.
Fica um poema, curto, sensível, de amor. Para o Homem que morreu às oito da noite, no Hospital de São Luís, no dia 30 de Novembro de 1935. Porque o amor, como nos ensinou Pessoa, vale tudo.
É l´amore que é essenciale, el sesso é solo un accidente...
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlaçemos as mãos).
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.Quanto mais leio Pessoa mais me apetece lê-lo. Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e, claro, Fernando Pessoa.
E fica, de Álvaro de Campos, a reflexão jocosa sobre as pequenas coisas:
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas).