Natal - Manuel Alegre
Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.
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4 comentários:
Lindíssimo poema de amor....
As palavras deslizam como num rio serpenteado.
Lindo.
Alegre pode ter muito que se lhe diga, na política, designadamente nesta fase em que "serpenteia" entre o PS e um novo movimento.
MAs como poeta é sublime. E como romancista, aliás: quem leu o "Cão como nós" não pôde, seguramente, conter a emoção e até as lágrimas.
Também me comoveu muito, li-o há uns três anos.
É uma personalidade que não se define muito bem, mas compreendo-o. Não devia ser político nos tempos que correm, é uma voz, como a de Helena Roseta, que inquieta mas acaba por se perder porque demasiado utópica.
Admiro-lhe a capacidade de se isolar, a recusa de ir para onde os outros vão, mas não sei se irá por algum lado.
Tal como diz o Dr. Mário, este sr. tem de facto a capacidade de nos levar às lágrimas, de diferentes maneiras: poemas, romance e (aí a responsabilidade era repartida) através da música pela voz do grande compositor Adriano Correia de Oliveira.
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