quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

no Jardim da Estrela

No dia 24 voltei ao Jardim da Estrela (Jardim Guerra Junqueiro). Já não ia lá há bastante tempo, mas sempre foi para mim um lugar especial porque, para além de ter sido co-desenhado pelo meu tetravô Isidoro Baptista, era um local onde ia muitas vezes durante os sete anos em que frequentei o Liceu Pedro Nunes.
O Jardim continua igual. Lindo. Um espaço azul entre as nuvens.

No Jardim da Estrela
está tudo como dantes.
As árvores, o coreto,
os velhos vestidos de preto,
os indigentes
mal vestidos,
os adolescentes
divertidos,

e até mesmo os funcionários
que, vítimas do horário,
respiram um pouco de ar puro,
e fazendo planos para o futuro
esquecem por momentos o presente
enquanto cumprem o ritual
do seu descanso pós-prandial.

No Jardim da Estrela
está tudo como dantes.
As grades de ferro escuro,
essas sim, têm futuro,
e delimitam a ilha calma,
perdida,
tão cheia de vida
e de alma
e tão bela
que é o Jardim da Estrela.


No Jardim da Estrela
está tudo como dantes.
Até mesmo aqueles estudantes
do liceu
discutindo Marx e Kant
que nenhum ainda leu,
e também os gritos sonantes
dos meninos da João-de-Deus,
os bibes multicolores
formam uma mancha azul, castanha,
amarela,
formam uma estranha
aguarela
um hino de cor
pintado sei lá por que pintor.
Descobrem a vida
e correm atrás dela,
regando de vida
o Jardim da Estrela.


No Jardim da Estrela
está tudo como dantes.
Até o olhar meditabundo
do cego que toca violino,
e que revive em cada nota o mundo
luminoso, de quando era menino.
Há também aquele alentejano
que vende qualquer coisa todo o ano,
gelados no Verão
castanhas no Outono,

e o mendigo de casacão
surrado
que dorme, enrolado,
nos dias de Inverno
um sono
pesado
dir-se-ia eterno.

No Jardim da Estrela
está tudo como dantes.
Os pombos arrulham
as crianças bulham,
e até o berro
dos pavões
e o ferro
dos portões
são sempre iguais
E na cidade poluída
por conceitos de vida
letais,
abre-se de repente uma janela
que é o Jardim da Estrela.


No Jardim da Estrela
está tudo como dantes.
Num imobilismo quase total,
dir-se-ia um postal,
uma fotografia, uma recordação
...Mas naquele banco distante,
alheio ao mundo que o rodeia,
a lua cheia
não desenha no chão,
como dantes,
as sombras abraçadas dos amantes.

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