O Jardim continua igual. Lindo. Um espaço azul entre as nuvens.

está tudo como dantes.
As árvores, o coreto,
os velhos vestidos de preto,
os indigentes
mal vestidos,
os adolescentes
divertidos,

e até mesmo os funcionários
que, vítimas do horário,
respiram um pouco de ar puro,
e fazendo planos para o futuro
esquecem por momentos o presente
enquanto cumprem o ritual
do seu descanso pós-prandial.

No Jardim da Estrela
está tudo como dantes.
As grades de ferro escuro,
essas sim, têm futuro,
e delimitam a ilha calma,
perdida,
tão cheia de vida
e de alma
e tão bela
que é o Jardim da Estrela.


No Jardim da Estrela
está tudo como dantes.
Até mesmo aqueles estudantes
do liceu
discutindo Marx e Kant
que nenhum ainda leu,
e também os gritos sonantes
dos meninos da João-de-Deus,
os bibes multicolores
formam uma mancha azul, castanha,
amarela,
formam uma estranha
aguarela
um hino de cor
pintado sei lá por que pintor.
Descobrem a vida
e correm atrás dela,
regando de vida
o Jardim da Estrela.

No Jardim da Estrela
está tudo como dantes.
Até o olhar meditabundo
do cego que toca violino,
e que revive em cada nota o mundo
luminoso, de quando era menino.
Há também aquele alentejano
que vende qualquer coisa todo o ano,
gelados no Verão
castanhas no Outono,

surrado
que dorme, enrolado,
nos dias de Inverno
um sono
pesado
dir-se-ia eterno.


está tudo como dantes.
Os pombos arrulham
as crianças bulham,
e até o berro
dos pavões
e o ferro
dos portões
são sempre iguais
E na cidade poluída
por conceitos de vida
letais,
abre-se de repente uma janela
que é o Jardim da Estrela.

está tudo como dantes.
Num imobilismo quase total,
dir-se-ia um postal,
uma fotografia, uma recordação
...Mas naquele banco distante,
alheio ao mundo que o rodeia,
a lua cheia
não desenha no chão,
como dantes,
as sombras abraçadas dos amantes.
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