terça-feira, 7 de outubro de 2008

Herbert Ernst Karl Frahm


Tive o privilégio de conhecer pessoalmente Herbert Ernst Karl Frahm, natural de Lübeck, nascido a 18 de Dezembro de 1913, e que morreu num dia 8 de Outubro, faz hoje 16 anos.

Começou a sua carreira em Berlim, no final dos anos cinquenta, e depois foi ministro, vice-chanceler e chanceler da República Federal da Alemanha.

Em 1974, sendo ainda Chanceler, demitiu-se por ter tido como chefe de gabinete um espião da DDR - Gunter Guillaume. Michael Frayn, o extraordinário dramaturgo inglês, relata o episódio na sua peça "Democracy", que pude ver no Teatro Aberto, no ano passado, e que mostra como a amizade e a adversidade podem servir ou contribuir para o fim de duas personagens antagónicas... mas progressivamente complementares. O fim de Brandt e de Guillaume era indissociável, e o espião caíu em desgraça quando regressou à DDR.

"A Europa connosco" - dizia o PS. E depois de uma reunião em Estocolmo, em 1975, seguiu-se uma em Portugal, em 1976. Tive o ensejo de ajudar à tradução simultânea, mesmo que o meu alemão não fosse nada de especial. Foi aí que conheci o "camarada Isidoro" (Felipe Gonzalez), Olof Palme (e a sua mulher Lisbeth, com quem trabalhei na UNICEF, e a quem prestei homenagem, na rua onde foi assassinado, vertendo lágrimas solitárias pelo que foi e é o ícone do meu pensamento político e social), e muitos outros. Velhos tempos! Tinha vinte anos - imaginem a honra!

Herbert Ernst Karl Frahm nunca conheceu o pai, e foi casado 32 anos e teve três filhos, até se divorciar e voltar a casar.

Com a ascensão de Hitler, emigrou para a Noruega, e criou um pseudónimo, que carregaria para sempre - Willy Brandt -, oficializando-o em 1949, ano em que curiosamente nascia a DDR. Pelo meio ficou o nome de Gunnar Gaasland.

De combatente na Guerra Civil de Espanha a refugiado clandestino na Noruega ocupada, obteve a nacionalidade deste país nórdico até ao fim da II Guerra.

Quando ascendeu a Chanceler, foi o auge da "verdadeira" social-democracia, ou socialismo democrático. Muito discutida, como referi ontem, foi a aproximação pragmática com a DDR, considerada por muitos como uma capitulação perante o facto consumado de duas Alemanhas. Mas foi ele quem normalizou as relações com a Polónia e a União Soviética, contribuindo para que a Guerra Fria não evoluísse para uma guerra nuclear aberta, à qual ninguém, provavelmente, sobreviveria. Hoje reconhece-se que foi um passo arriscado, mas certeiro, para a unificação da Alemanha. Brandt sabia o que fazia.

Recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1971.

Inovador, criativo, reformador, também teve pontos duvidosos, como o de impedir que "extremistas" (na prática neonazis e comunistas) pudessem ser funcionários públicos.

Em 1972 faltaram-lhe dois votos para ser Chanceler - agora sabe-se que a Stasi, polícia política da DDR, corrompeu deputados do partido democrata-cristão para votarem contra (a face negra e emética da política). As novas eleições deram-lhe a maioria, mas a Stasi contra-atacou e conseguiu colocar Gunter Guillaume como seu chefe de gabinete. Ainda visitou Israel - sendo o primeiro Chanceler alemão a fazê-lo (Angela Merkel foi a primeira a discursar no Knesset, este ano, mas Brandt foi o primeiro a visitar o Estado hebraico), e a 6 de Maio demitiu-se, sendo substituído por Helmut Schmidt, político e pianista (tenho uma gravação do concerto para quatro pianos de Bach, com ele), e que dizem também poder ter estado na origem do "golpe de estado palaciano" que levou à queda de Brandt.

Não se reformou - ou antes, continuou a fazer política nos bastidores, encontrando-se com Arafat, Fidel, Deng Xiaoping e Gorbatchov, no intuito de alcançar a paz e a estabilidade na Europa e no Mundo.

Morreu a 8 de Outubro. Mas deixou um legado de vida. Intenso, que demorará provavelmente muito tempo a ser digerido. Controverso, polémico, mas coerente e lutador.

"Ich heiβe Willy Brandt".". "Prosit! Auf Ihre wohl!". "Unsere wohl. Unsere wohl..."

7 comentários:

Huckleberry Friend disse...

Aconselho a todos a leitura - se não for possível assistirem - à peça Democracia, de Michael Frayn, sobre o escândalo Brandt/Guillaume.

Mário disse...

Também acho, Huck.
Mais do que a história, que foi na altura bem evidenciada, o que gostei na peça e no livro foi a intensidade de relações, e a amizade que pode, quando levada a este ponto de intriga e de cumplicidade dentro da desconfiança e solidão, a um entecruzar de destinos, e a um enlace entre as duas personagens que impede destinos diferentes.
Como é que foi possível, em termos políticos? Com a mão do próprio SPD? Graças à força da Stasi?

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mário disse...

Filomeno
Bienvenido a este Blogue. Que comentes y te sientas en tu casa!
É verdade - Willy Brandt ajudou muito Portugal e Espanha na rota da democracia, independentemente do que se possa achar sobre ele ou os partidos que apoiou.

A Fundação Fredrich Herbert foi um dos sustentáculos do apoio alemão nos anos setenta, em Lisboa. Ainda me recordo de um membro do SPD que vinha com um blusão cheio de marcos, por dentro, porque o Conselho da Revolução não autorizava entradas nem saídas de dinheiro.

Em 1975, quando fui fazer um interrail, só podia levar sete contos (35€). Mais do que isso era "desvio ilícito de capitais".
Capitalistas de mochila às costas e a dormir em albergues de juventude...

Abrazos fuertes
PS. de onde eras, hombre?

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mário disse...

Compañero
Nos veremos y hablaremos en el blogue, siempre que quieras.
Tenia um grand amigo ahí, en Asturias, Avilés. Y otros en cataluña, Alacán, A Coruña, Madrid.
España me encanta.

Quando nosotros estavamos en la escuela, antes de la democracia, teniamos que aprender que "los castellanos" eran todos burros, malos, sanguinarios y barbaros. Y, claro, que nos lusitanos lle davam galletas y golpes de espada, como la estoria de la padera de Aljubarrota.

La realidad es bien diferente, y soy uno de los que no se importarian que Portugal y España formasen un grand Pais Ibérico.

Abrazos y abraços

Anónimo disse...

La famosa "Padeira de Aljubarrota".....Casi "Santa" para algunos; temible, para los castellanos......
¡Y eso que el Profesor Salazar y el General Franco eran amigos! Y el Prof. Marcello Caetano, gran amigo del Prof. Laureano López Rodó........
Saludos