sexta-feira, 3 de outubro de 2008

"trinta anos de pastor Jacob serviu..."

Faz hoje 30 anos, formei-me. Foi o último exame, o único que deixei para a "2ª época", além da Anatomia no primeiro ano. Mas foi um dia maravilhoso, com uma sensação estranha, que era "apenas": "o que é que eu vou fazer da minha vida?".
Quando estava a inscrever-me no antigo 5º ano do Liceu (actual 9º), fui para Direito, porque gostava, mas sobretudo porque me fazia "impressão" ver sangue. Na paragem do autocarro 22, na Álvares Cabral, como este demorou, deu-me um "vaipe", voltei à secretaria, rasguei a inscrição e mudei para Medicina. Ao meu Pai dei, creio, uma grande alegria. Para mim, acho que foi uma inspiração divina.

Gosto muito de ser médico. Adoro ser pediatra.
Seria impossível descrever o que tem sido a minha vida de médico, porque pontuada pelas mais variadas situações, sentimentos, encontros com pessoas, e tanta coisa mais. Mas são trinta anos! Um dia, talvez (talvez...) escreva uma coisa maior sobre alguns factos e peripécias de três décadas como médico, no Hospital de Santa Maria, Centro de Saúde de Óbidos, Hospital do Bombarral, Hospital de Peniche, Direcção-Geral da Saúde, Observatório Nacional de Saúde, Faculdade de Ciências Médicas e muitas outras Escolas de Medicina, Enfermagem e outras especialidades.

De uma coisa tenho a certeza: se continuasse a aplicar os conhecimentos que aprendi durante o curso, além de ter feito muito mal a alguns doentes, não seria útil à larga maioria, tal foi a evolução da Ciência. E como as outras ciências, não-médicas, têm a ver com a Medicina, entusiasma-me continuar sempre a estudar, em áreas magníficas, como psicologia, antropologia, sociologia, direito de menores ou medicinas complementares. Com um olhar cada vez mais cínico (não é gralha, não é "clínico", é mesmo cínico) sobre os médicos e a Medicina baseada na doença.

Mas primum non nocere. Sempre.

No fundo, o que eu queria - confesso-o sem remorsos - era viver várias vidas, ou uma vida de vários séculos, de preferência com dias de 72 horas...

21 comentários:

miguel disse...

Mário: só agora me vou familiarizando com o teu percurso de 30 anos ( parabéns )como Médico, que é uma profissão pela qual nutro profundo respeito e admiração.Pelos médicos - a maioria deles - mais do que respeito, nutro temor.

A percepção que tenho é que és ,no mínimo, um médico diferente da grande maioria dos médicos com que vou contactando.

Destaco a espantosa capacidade que tens de fazer convergir dever de cidadania com os desígnios da tua profissão. E também a tua humildade, tão paradoxalmente activa e escondida.Como diria o meu pai " eu sei do que estou a falar".

um abraço

Anónimo disse...

Como mãe, concordo na totalidade com tudo o que o seu amigo Miguel disse atrás ...

Falo com muitas maes, tias e avós (e sabemos o quão representativa é esta "rede")que quando abordam o nome deste tão "nosso" Mario, é feito sempre com muito carinho, admiração, reconhecimento e pertença. Esta ultima, é talvez das mais relevantes e que mais o distingue de todos os outros.

Enquantos maes, pais ou filhos, ao seu lado, sentimo-nos escutados, especiais. É tão gratificante que chega para acalmar muitas vezes todas as naturais dúvidas que vão surgindo ao longo do crescimento de uma criança e que nem sempre partilhamos. O medo, a duvida, a culpa e tantas outras emoçoes que na "crise" surgem, quando abordadas por si parecem tão naturais que se dissipam num sugundo tranquilizando-nos na essencia.

E é assim que um ser humano excepcional, que tambem é médico ajuda uma familia inteira a crescer!

Bem haja!

E sim, perdoem-me a falta de originalidade mas "eu tambem sei do que estou a falar". :)

Muitos parabens antes de mais, por ser quem é.

Catarina L.

Mário disse...

Obrigado, Miguel, pelo teu comentário.
Sabes que, na altura, os miúdos andavam sempre sozinhos: eu ia de autocarro para a escola e ainda tinha de fazer um eprcurso a pé bastante grande, no Bairro da Buraca - com nove anos -, e depois para o Pedro Nunes eram dois autocarros, desde os 10 anos.
Se isto hoje em dia não seria nada aconselhável, pergunto-me também se naquele dia da inscrição tivesse ido com um adulto (ou se o autocarro 22 tivesse chegado logo), onde é que eue staria agora, e qual teria sido o meu percurso de vida.
Foi mesmo um "momento": voltar atrás, pedir os papéis, rasgar e mudar a vida. Ao almoço tínhamos estado a conversar, em casa, com os meus pais e irmãos, sobre eu ir para Direito - era um dado adquirido.
Imagina a surpresa quando eu, ao jantar, comuniquei o que tinha feito.
"Maluquices de adolescentes" - diriam hoje, de um rapaz ainda com 14 anos que fizesse isso. E os pais teriam posto de castigo e ido lá mudar outra vez a inscrição...

Mário disse...

Catarina
Muito obrigado.
Não pretendo nem sou perfeito - provavelmente terei desagradado a muita gente, e até porque por vezes sou brincalhão e poderá haver pais que não gostam e preferem uma pessoa "que use mais bata e mais estetoscópio".
Tive horas de grandes dúvidas, como ter de decidir, com 25 anos, se desligava ou não um ventilador, e outras alturas em que poderei ter errado - errei de certeza, só espero que nenhum erro tenha feito muito mal a alguém.
Mas também tive a alegria de ver a vacina da meningite C no programa de vacinação, mesmo depois de ter passado o que passei por causa disso.
Quanto à dedicação, faço pelos filhos dos outros o que faria pelos meus. E os pais e crianças ensinam-me por vezes mais do que eu lhes posso transmitir a eles, garanto-lhe.

Su disse...

A vida é feita de decisões, assim do nada, de "vaipes" que acontecem daquela maneira porque ocorreram naquele momento. Também foi assim, num impulso, que decidimos mudar o pediatra do Diogo, aos 4 meses de vida.
Já passaram quase 6 anos e se hoje o meu filho é aquele miúdo ultra feliz, em muito de deve a si, um médico que não usa bata, que faz a consulta de filhos nervosos no colo dos pais, que fala connosco como quem fala com velhos amigos, que nos aceita como os experts naquele trio e que vê os nossos filhos como pessoas, únicas e especiais e não como um conjunto de orgãos, de carne e sangue, envolvidos por um simples corpo que requer cuidados definidos para funcionar.
Já o disse antes, mas repito: se hoje somos melhores pais do que eramos antes do "vaipe", em muito o devemos a si, que nos ajuda a perceber que tudo é bem mais simples e que às vezes basta um abraço profundo para debelar a mais intensa febre!
Beijinhos do Diogo e da Marta e parabéns por estes 30 anos!
Susana A.C.

Mário disse...

Susana
A baba escorre, e corro o risco de avariar o portátil...
Lembra-se de uma célebre consulta prenatal que começou às dez da noite e acabou passada a uma da manhã?
Se há coisa que levarei sempre comigo são esses momentos. Transformaram-me, educaram-me, e serviram de alavanca a explorar novos conhecimentos e áreas do saber.
Um beijinho para eles, também.

Anónimo disse...

Diria que, com o passar do tempo e apesar da experiência de 3 décadas, cada vez o vejo menos como apenas um médico. Mesmo onde é suposto ser médico, parece fazer questão de sr sempre mais. Mais como pessoa, mais como amigo, mais como voz da razão. Não há pessoas perfeitas, e também acredito que não o seja. Apenas duvido que algum dia possa descobrir que defeitos tem, afinal.

Parabéns, e que exerça por muito mais anos, para bem de muitas crianças e do seu crescimento feliz e saudável.

Anónimo disse...

As melhores palavras não conseguem descrever a admiração que todos na nossa família nutrem pelo médico e pela pessoa que há em si. A Raquel (Caetano) nunca se esquece do Dr. Mário da porta azul... o Nelson, embora mais pequeno também o tem "registado" e para nós, como pais, todo o acompanhamento que nos deu, com todos os problemas que tivémos e que bem se deve recordar, encontrámos sempre um apoio incondicional que dá uma tranquilidade sem valor.
Muitas felicidades e continuação de sucesso pela vida fora. Cá ficaremos há espera do tal registo das suas memórias.
Graça M.

Su disse...

Baba a avariar o portátil?! Nem pensar! Peça um babete ao primeiro que aí entrar e toca a protejer o pc! Não podemos ficar privados dos seus posts!

Essa consulta pela noite dentro foi tão importante para o nosso núcleo familiar! E o Dr. Mário esteve como se tivesse começado a trabalhar há 10 minutos e não há 10horas, como efectivamente estava...

Anónimo disse...

PARABÉNS pelas "BODAS DE PÉROLA" (30 anos)!
Parabéns pelo já longo percurso que marcou, marca e irá certamente continuar a marcar positivamente a vida de muitas Crianças e respectivos Pais.
Espero que a inspiração divina o continue a acompanhar pela vida fora.
Por mim (nós), OBRIGADA
Sofia Ventosa

Mário disse...

Graça: a porta azul, às vezes, aterroriza as crianças, entre os 9 meses e os 3 anos... quero acreditar, pelo menos, que é a porta azul e não o monstro que lá está atrás!!!

Sofia: mais do que a inspiração divina, é a vossa inspiração - as musas de um pediatra são as crianças e os pais.

Susana: lembro-me tão bem do atraso, nesse dia, mas fico de consciência mais tranquila quando penso que vos avisei e sugeri um jantar à luz das velas, antes da consulta - já não me lembro se o tiveram mas, se não, está sempre na altura, até porque meninos são muito queridos, mas também é preciso uns momentos de tranquilidade a dois!

Anónimo disse...

Bem me lembro desse volte-face que "chocou" a família inteira e encheu de orgulho um pai baboso. Já havia uma médica na família, é bom não esquecer, mas para o nosso Pai, os filhos varões eram especiais ( pq raros!!!).

Foram tempo excelentes , apesar de tudo, pois os mais capazes conseguiam entrar em Medicina, sem tantas notas como hoje se exige. Muitos dos que anseiam por essa via, ficam por outros caminhos.
Admiro os médicos tanto quanto me desgostam. Mais ça c'est une autre histoire.

Quanto a ti, meu "benjamim" ( donde te vem o nome?!), fazes jus ao nome que herdaste e, ainda, conseguiste superar-te em muitos campos que são essenciais para um bom exercício da medicina e da pediatria. E como pai, penso eu de que...

Que o sucesso continue, mas que a tal humildade de que se fala aqui (e com razão) continue a espelhar-se nos teus olhos "violets"...

Beijo de parabéns

Virgínia

Anónimo disse...

Também eu gostava de não ter o tempo a controlar-me, passa tão depressa que é preciso ser-se audaz para o distrair.

Pena não ter sabido antes que hoje era um dia importante, podia ter contado!

Beijinhos

Anónimo disse...

A anónima sou eu.
Carmo

Elisete disse...

Muitos Parabéns! O Pediatra do Miguel – aquele que para lá da doença olha para o nosso filho como uma pessoa (uma pessoa que já diz que tem problemas e que, portanto, precisa de ir falar com o Dr. Mário Cordeiro) – tem sido determinante para o entusiasmo que é o pano de fundo de educar o Miguel nestes 4 anos de vida dele e nossa.
Medicina -1; Direito – 0 (e ainda por cima do Benfica!)
Bem-haja,
Arnaldo, Elisete e Miguel
PS E parabéns pela qualidade do blogue, um refúgio de equilíbrio, bom gosto e substância.

Mário disse...

Virginia: o nome Mim vem do que a nossa irmã me chamava: "menino Bebé" (faz apenas dezasseis meses de diferença de mim, Mim) e abreviava para "mim bebé".

Carmo: ser senhor do Tempo é privilégio único dos deuses, mas administrá-lo com sabedoria e arte pode levar-nos, pelo menos, aos contrafortes do Olimpo.

Família AEM: pratico a pediatria de que gosto: uma saudável parceria com crianças e pais. E cada dia de consultório, mesmo que por vezes cansativo e, audiologicamente falando, esgotante, traz-me novas emoções e novas descobertas sobre mim mesmo.
Só há dias descobri, em conversa com pais, que eu gostar de comer sopa passada é um sinal regressivo que mantive, o qual, apesar de social e politicamente correcto, não é mais do que usar uma chupeta!
Abraços a todos, e obrigado.

Anónimo disse...

Quanto ao viver duas vidas e ter dias de 72 horas, quando descobrires o segredo, avisa-me....é que tenho tanto que fazer ainda!

V

Mário disse...

Virgínia
Acho que o segredo, não podendo esticar o tempo, é ser-se muito organizado, aproveitar o tempo "morto" (diferente do tempo livre...), e dar cada vez mais prioridade ao essencial (pessoas, lugares e situações), filtrando o "ruído" que incomoda, perturba e nada traz de mais-valia.
Pode ser duro, porque mal entendido pelos outros, mas pessoalmente estou cada vez mais selectivo no que quero e com quem me dou. Selectivo não quer dizer pedante ou snob, mas apenas selectivo dentro do que quero da vida, mesmo que, às vezes, nem eu saiba muito bem. Mas como escreveu Régio, no Cântico Negro: "não sei para onde vou, não sei por onde vou, mas sei que não vou por aí".

Anónimo disse...

Para sabermos o que não queremos e estarmos convictos das nossas decisões é preciso conhecermo-nos muito bem, ter maturidade e um bom auto-conceito. O que já não é nada mau!

O cântico de José Régio é mesmo negro...e é sabido que os outros nos fazem falta, mas gosto do último verso.

" Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!"

Carmo

Mário disse...

É isso, Carmo
Coerência, um fio de acção, o não haver desvios entre o que se defende e a acção (dentro, claro, do não cair em fundamentalismos, de saber contextualizar as coisas e, também, de saber mudar, caso os outros ou os factos nos convençam.
Que exemplo poderemos passar aos nossos filhos se fizermos o contrário, só porque a pressão dos pares ou a social assim ordenam.
"Que não nos dêem piedosas intenções - sabemos que não vamos por aí". O resto serão caminhos a descobrir, tentando a perfeição, mas sentindo-nos cada vez mais imperfeitos.

PS: e tanto mais quando, depois de estarmos aqui, nos vamos deitar e passamos pelas caminhas deles a aconchegá-los. Dormem profundos. Calmos, tranquilos, contentes. Tiveram um dia em cheio, com amigos. "Pai, eu estou-me a portar bem?" - need for approval.
Tão frágeis, mas ao mesmo tempo tão resilientes. Eles sabem por onde não querem ir. E isso é um excelente começo!

Anónimo disse...

O Tomé tinha acabado de chegar. A Sofia, com 3 anos, tinha preparado este momento reservando-lhe a chucha, o óó e todos aqueles pertences mais queridos. Nesse dia disse-lhe disse que íamos levar o Tomé ao Dr. Mário Cordeiro. Os seus olhos arregalaram-se e com enorme indignação perguntou: “ Ao MEU Doutor Mário Cordeiro?!”. Muitos parabéns e muito obrigada pelos bons conselhos que sempre nos tem dado. Joaquim, Eleanor, Sofia e Tomé