segunda-feira, 27 de outubro de 2008

juízes em causa própria?

Cavaco voltou a vetar o Estatuto dos Açores. Não estou por dentro da Lei nem tenho conhecimentos para a analisar, mas há uma questão, pelo menos, sobre a qual me interrogo: poderá um órgão que vai ser dissolvido, como seria o caso da Assembleia Regional, pronunciar-se de modo decisivo sobre a sua própria dissolução?

Em 1975, um colega meu, que era professor da Faculdade de Letras em Lisboa, era obrigado a dar as notas em paridade com as dos alunos: faziam trabalhos e a nota do professor valia o mesmo do que a dos outros alunos todos. Não sei porquê lembrei-me disto... ou será que sei porquê?!

3 comentários:

Huckleberry Friend disse...

Atenção, que o estatuto agora vetado não obriga a uma audição vinculativa dos órgãos de poder local. A questão é outra. São, sobretudo, duas. Tentarei resumi-las.

Até agora, e de acordo com a Constituição (artº234), um PR que quisesse dissolver uma Assembleia Legislativa Regional (caso nunca visto em 32 anos de vigência da Lei Fundamental) teria de ouvir o Conselho de Estado e os partidos representados na dita assembleia legislativa regional. A norma espelha o que acontece a nível nacional: antes de dissolver a Assembleia da República, o PR tem de ouvir os partidos nela representados e o Conselho de Estado. Pode ouvir mais gente (vide Sampaio em 2004, que ouviu este mundo e o outro antes de não dissolver).

Mas há uma coisa importante: em caso algum estas audições são decisivas. O PR é soberano (e continuaria a sê-lo, se a actual proposta de estatuto fosse parovada). Vide, de novo, Sampaio. A maioria das entidades e personalidades que ouviu aconselharam-no a não empossar Santana Lopes, antes convocando eleições. O PR decidiu noutro sentido.

O que preocupa Cavaco é o artigo 114º, que obriga o PR a ouvir, além dos órgãos acima citados, o Governo Regional e a Assembleia Legislativa Regional (como entidade, per se, além de serem ouvidos os partidos nela representados.

Afirma Cavaco que «impor ao Presidente da República, através de lei ordinária, a audição de outras entidades, para além daquelas que a Constituição expressa e especificamente prevê, significaria criar um precedente grave e inadmissível». Isto porque o Chefe de Estado considera que não se pode mudar os poderes de um órgão de soberania, definidos na Constituição, através de lei ordinária, susceptível de flutuar consoante a maioria parlamentar.

Outra objecção de Cavaco prende-se com a norma do nº2 do artº140 do Estatuto agora aprovado. Esta estabelece que, futuramente, a Assembleia da República só poderá alterar os artigos do Estatuto que a Assembleia Legislativa Regional tenha previamente decidido alterar. Sujeitar a AR aos desejos da ALR através de lei ordinária também parece imprevidente ao PR.

É preciso recordar - sobretudo quando ouvimos o ar escandalizado de alguns partidos - que o documento agora vetado foi aprovado na Assembleia Legislativa Regional dos Açores e, por unanimidade, pela Assembleia da República. Isto é algo vergonhoso, pois, concorde-se ou não com o conteúdo, esta primeira versão vinha pejada de inconstitucionalidades. Cavaco vetou-a e o parlamento voltou a a provar, removendo as inconstitucionalidades, mas mantendo (legitimamente, claro) aspectos com que o PR discordava.

Sou insuspeito, porque não gosto de Cavaco. Mas acho que ele tem razão.

Anónimo disse...

Parabéns Pedro pela forma sintétca e precisa com que explicou o assunto em causa.

Em termos de opinião, também concordo com a sua e, por isso, com a do Presidente, goste-se ou não.
Catarina

Mário disse...

Huck
Obrigado pelo esclarecimento.
O que escrevi acima acerca de maus jornalistas, pode escrever-se aqui acerca de bons jornalistas...